13.05.2013 Views

Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Quanto à voz e ao gemido, Lisa questiona se não seriam alucinações <strong>de</strong><br />

Marcos, que nega afirmando sua certeza <strong>de</strong> que o morto erra entre nós, cheio<br />

<strong>de</strong> remorso. É mais uma aproximação ao maravilhoso cuja presença no drama<br />

<strong>de</strong>nuncia a incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s personagens em li<strong>da</strong>r com o mundo que as<br />

cerca. O sobrenatural aparece como justificativa necessária para aquilo com<br />

que não conseguem li<strong>da</strong>r no plano <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, que lhes é opaca e<br />

inexplicável.<br />

Ruim ou apenas neurótico, o certo é que Silas não <strong>de</strong>ixou uma<br />

impressão amorosa na família. Já se pô<strong>de</strong> perceber que Augusta empreen<strong>de</strong><br />

uma vingança contra ele e Marcos afirma que não o amava. Agora Lisa,<br />

questiona<strong>da</strong> sobre seus sentimentos a respeito ex-marido respon<strong>de</strong>: Não sei,<br />

Marcos, nunca o soube. (...) Quando há pouco ouvi você falar, senti que estas<br />

idéias eram sentimentos nascidos <strong>da</strong> infância, quando no escuro ele me<br />

puxava os cabelos ou me mordia os braços (...) (CARDOSO, 1973:26). Na<br />

seqüência do diálogo, a mulher afirma que nunca o amou e que <strong>de</strong>scobriu isso<br />

no dia em que Marcos teve sua crise. Ele lhe pergunta, então, o motivo <strong>de</strong> sua<br />

reclusão: Mas é tão fácil adivinhar! Apenas percebera que gran<strong>de</strong> erro tinha<br />

sido a minha vi<strong>da</strong>. Não existia em mim amor pelo homem com quem eu me<br />

casara. O pior é que só vim a sabê-lo muito tar<strong>de</strong> (CARDOSO, 1973:28).<br />

A resposta soa paradoxal: afinal, a viuvez <strong>de</strong>veria libertá-la <strong>de</strong> um<br />

equívoco cometido, não aprisioná-la mais ain<strong>da</strong>. Mas esse posicionamento<br />

fortalece a idéia <strong>de</strong> que Silas é uma presença necessária entre eles. Todos <strong>da</strong><br />

casa, com exceção <strong>de</strong> Isabel – que é domina<strong>da</strong> pela irmã mais velha –,<br />

<strong>de</strong>finem suas i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s em função <strong>de</strong>le: Augusta não po<strong>de</strong> terminar a luta<br />

contra ele <strong>por</strong>que, provavelmente, não saberia o que fazer <strong>da</strong> sua própria vi<strong>da</strong><br />

– seu oponente é seu duplo e, sem ele, ela não existe; Marcos, que passou a<br />

infância apaixonado pela mesma mulher que o irmão, quando se vê <strong>de</strong>sprovido<br />

<strong>de</strong> sua imagem tem uma crise nervosa: sua voz se assemelha à do morto e<br />

chama <strong>por</strong> sua esposa na tentativa <strong>de</strong> assumir-lhe a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e a vi<strong>da</strong> que,<br />

provavelmente, invejava; e Lisa, que su<strong>por</strong>tou-lhe as brinca<strong>de</strong>iras sádicas e<br />

aceitou ser sua mulher, quando ele morre refugia-se em casa – “morrendo”<br />

também; quando Marcos tem sua crise e ela relembra o marido, en<strong>clausura</strong>-se<br />

77

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!