Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>de</strong> Gina.<br />
Dr. Renato, é ver<strong>da</strong><strong>de</strong> que a patroa não lhe dá um minuto <strong>de</strong><br />
sossego com o maldito ciúme, mas na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> prefiro que ela fique<br />
assim fecha<strong>da</strong> no quarto, do que satisfeita. (CARDOSO, s/d:9)<br />
Ante o espanto do patrão, ela acrescenta que, se fosse ele, teria medo<br />
Como se observa, Júlia é uma personagem <strong>de</strong> posições ambíguas.<br />
Tendo, no drama, a função <strong>de</strong> aju<strong>da</strong>r a <strong>de</strong>linear a personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Gina, já<br />
que conhece seu passado, ora parece acreditar na doença <strong>da</strong> patroa, ora julga<br />
que são simulações; quando Renato pergunta que se esposa sempre foi assim,<br />
afirma que são ciúmes; momentos <strong>de</strong>pois, afirma que sempre julgaram que ela<br />
“não regulava bem” e que ele <strong>de</strong>veria temê-la. Assim, as opiniões <strong>da</strong> cria<strong>da</strong><br />
apenas acentuam contradições e o caráter <strong>de</strong> exceção <strong>da</strong> protagonista,<br />
levando Renato a concluir:<br />
(COMO PARA SI MESMO) Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, há qualquer coisa diabólica<br />
nessa mulher. Eu o sinto quando ela me agra<strong>da</strong> ou me afaga os<br />
cabelos. Fico arrepiado. Você já reparou, Júlia, como inclina ela a<br />
minha cabeça e me olha bem nos olhos, numa febre <strong>de</strong> quem<br />
procura alguma coisa perdi<strong>da</strong>?<br />
(...)<br />
(SOMBRIAMENTE) Ela é como certos terrenos on<strong>de</strong> não cresce<br />
coisa alguma. O seu amor – pois ela me ama, tenho certeza disto – é<br />
uma necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> absur<strong>da</strong> <strong>de</strong> domínio... um ato <strong>de</strong> egoísmo... e não<br />
sei <strong>por</strong>que (sic), mas <strong>de</strong> sacrilégio também. (CARDOSO, s/d:10)<br />
Nesse momento, são interrompidos pela chega<strong>da</strong> do médico. Da<br />
conversa entre dr. Victor e Renato, <strong>de</strong>scobre-se que seu ferimento foi causado<br />
<strong>por</strong> Gina, que o mor<strong>de</strong>u sem maiores explicações. O marido lhe diz que a<br />
esposa se queixa <strong>de</strong> dores <strong>de</strong> cabeça, reumatismo, indisposição, falta <strong>de</strong><br />
apetite, que parece não dormir bem à noite, que tem até febre e que sempre o<br />
olha “como se tivesse uma se<strong>de</strong> enorme”. E, embora seus lábios realmente<br />
queimem, “O resto parece ter pouca ligação com esses sintomas” (CARDOSO,<br />
s/d:13). Mas o que mais o incomo<strong>da</strong> são as suas atitu<strong>de</strong>s extrema<strong>da</strong>s:<br />
(...) Há momentos em que é absolutamente expansiva, ri, brinca,<br />
passa-me as mãos pelo rosto, pelos cabelos. Outras vezes, sem a<br />
menor razão, fecha-se num inquietante mutismo.<br />
(...)<br />
97