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Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

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103<br />

(POUSANDO A MÃO EM SEUS CABELOS) Conservemo-nos<br />

sempre assim, não se afaste nunca. Tenho medo. Renato, somos tão<br />

<strong>de</strong>sespera<strong>da</strong>mente livres! Não há sentido em coisa alguma que<br />

fazemos, nossos gestos são livres como o vôo <strong>de</strong> um pássaro...<br />

Você nunca <strong>de</strong>sejou o impossível, Renato? Por isto é que eu lhe<br />

peço que me aperte bem contra o seu peito, para que eu não<br />

esqueça nunca <strong>de</strong> que o amei um dia... <strong>de</strong> que eu o amei mais do<br />

que esta luz que nos ilumina. (CARDOSO, s/d:47)<br />

Essa fala contém a idéia essencial do drama: a falta <strong>de</strong> sentido do<br />

mundo que nos cerca e a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> absoluta. Esse tema<br />

estará mais <strong>de</strong>senvolvido no terceiro ato e então será possível analisá-lo<br />

melhor. Mas já é possível adiantar que a raiz <strong>da</strong>s angústias <strong>de</strong> Gina se<br />

encontra, também, nessa percepção do absurdo <strong>da</strong> existência 50 . Quanto à<br />

cena, seguem-se diálogos que na<strong>da</strong> acrescentam ao conflito e o ato termina<br />

com Renato apoiado nos joelhos <strong>da</strong> mulher que o quer adormecido “como uma<br />

criança”, “como um filhinho meu”, mas que não consegue disfarçar sua<br />

agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong>:<br />

(VOLUPTUOSA) Eu lhe <strong>da</strong>rei <strong>de</strong> novo a paisagem e a luz. Eu<br />

afagarei seus cabelos, <strong>de</strong>vagar, bem <strong>de</strong>vagar, até que a madruga<strong>da</strong><br />

chegue. E seu rosto também, Renato, seu rosto pálido, assim, até o<br />

pescoço... até esse pescoço macio... esse pescoço lânguido on<strong>de</strong> o<br />

sangue bate <strong>de</strong>licado... e que parece ter sido feito para a carícia <strong>de</strong><br />

uma cor<strong>da</strong>! (CARDOSO, s/d:50)<br />

O terceiro ato acontece no mesmo cenário do anterior, no quarto do<br />

casal. Quando a cortina se abre, Gina e dr. Victor conversam. Essa<br />

personagem, que se apresenta como médico, <strong>de</strong>veria trazer à cena a palavra<br />

<strong>da</strong> Ciência 51 e, no entanto, sua fala mais parece a <strong>de</strong> um sacerdote: “Tenho<br />

escutado muitas confissões e auxiliado muita alma atribula<strong>da</strong>” (CARDOSO,<br />

s/d:52) diz ele à mulher. Como em O Escravo, a Ciência é <strong>de</strong>sacredita<strong>da</strong>.<br />

Tanto lá, pela sugestão <strong>de</strong> “possessão”, quanto aqui, como se verá, pela<br />

referência a Deus como solução: em ambos, a religião supera a Ciência.<br />

50 Tal como foi assinalado em nota anterior, essa também é uma percepção comum a protagonistas<br />

clariceanas <strong>de</strong>ntre as quais, Ana, do conto “Amor”, <strong>de</strong> Laços <strong>de</strong> família. (LISPECTOR, 1991)<br />

51 Sabe-se que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do século, circulavam entre nós as idéias <strong>de</strong> Freud, <strong>por</strong> exemplo, e que já<br />

haviam aparecido, ain<strong>da</strong> que superficialmente na peça Sexo, <strong>de</strong> Renato Vianna, em 1934. (Cf: Segmento<br />

2.2 <strong>de</strong>sta Tese.)

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