13.05.2013 Views

Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

Dramas da clausura: a literatura dramática de Lúcio Cardoso por ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

uma janela que <strong>de</strong>ita para o mar” (NASCIMENTO, 1961:47). Mas ele o recusou<br />

alegando que era muito jovem e que o Pai o esperava. Em casa, revela aos<br />

familiares que um dia <strong>de</strong>sejará partir. Ao pedido <strong>da</strong> irmã para que toque, ele, o<br />

filho chamado “humil<strong>de</strong>” pelo Pai, respon<strong>de</strong>:<br />

121<br />

Não tocarei, não tocarei nunca mais.<br />

(...)<br />

(mu<strong>da</strong>ndo <strong>de</strong> tom, como num sonho) Só o farei junto a uma janela<br />

sobre o mar. (NASCIMENTO, 1961: 48)<br />

Nesse momento, chega uma Peregrina que pe<strong>de</strong> água <strong>por</strong>que sente<br />

“sempre uma se<strong>de</strong> que me <strong>de</strong>vora” (NASCIMENTO, 1961:49). Como também<br />

tem muita fome, são-lhe oferecidos mel e frutas, mas ela prefere “carne tenra e<br />

cheirosa, com um pouco <strong>de</strong> sangue fumegante e ácido”. No diálogo que se<br />

inicia, afirma viajar sempre, sem cessar: “Nunca posso parar, alguém sempre<br />

me chama on<strong>de</strong> não estou” (NASCIMENTO, 1961:49). Diz que já viajou muito,<br />

que já conhece muitas coisas, mas que gosta <strong>por</strong>que sempre há algo diferente<br />

para se ver. Bem mais à frente, quase no final do ato, ela revelará que “foi a<br />

discórdia” quem a chamou àquela casa (NASCIMENTO, 1961:56).<br />

Suas <strong>de</strong>clarações prosseguem revelando que a mulher tem um<br />

com<strong>por</strong>tamento bastante livre. Segundo sua própria <strong>de</strong>scrição, ela é “Uma<br />

mulher que vai <strong>de</strong> lugar a lugar, <strong>de</strong> feira em feira. Quando há música, paro. E<br />

enquanto as pessoas pagam, <strong>da</strong>nço <strong>de</strong> olhos fechados” (NASCIMENTO,<br />

1961:54).<br />

O Pai questiona o valor <strong>de</strong> suas caminha<strong>da</strong>s, se não são, ao final,<br />

“senão uma aventura amarga e fugidia”. Ela, recusando a censura moral que<br />

ele insinua, retruca que encontra nas viagens “o sal que procuro para os meus<br />

lábios: esse amargo não me faz mal” (NASCIMENTO, 1961:50).<br />

Embora escan<strong>da</strong>lizado, a curiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Pai é maior e ele lhe pe<strong>de</strong> que<br />

tire os véus que protegem seu rosto. Ela ce<strong>de</strong> e todos vêem uma mulher<br />

branca. A explicação para a sua cor não está liga<strong>da</strong> à raça: segundo ela<br />

mesma, sua pele é clara “<strong>por</strong>que à noite viajo e só a lua me banha”<br />

(NASCIMENTO, 1961:51). O branco é mero fator <strong>de</strong> oposição: sua vi<strong>da</strong><br />

contrasta com a dos corpos servis que trabalham <strong>de</strong> dia, sob o sol, e nunca<br />

<strong>de</strong>ixam os limites <strong>da</strong>s terras obe<strong>de</strong>cendo à lei do imposta pelo Pai ou <strong>por</strong> Deus.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!