HELÂNIA CUNHA DE SOUSA CARDOSO A POESIA ... - Educadores
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e é o primeiro que assiste<br />
ao enredado e incerto<br />
que é como no papel<br />
se vai nascendo o verso,<br />
e testemunha o aceso<br />
de quem está no estado<br />
do arqueiro quando atira,<br />
mais tenso que seu arco,<br />
foste ainda o fantasma<br />
que prele o que faço,<br />
e de quem busco tanto<br />
o sim e o desagrado.<br />
(MELO NETO, 1997, p.72-3)<br />
Joaquim Cardozo na Europa<br />
Ele foi um dos recifenses<br />
de menos ondes e onde mais,<br />
que em lisboas, madrids, paris,<br />
andou no Recife, seus cais.<br />
Como elas todas já sabia<br />
não foi turista ou visitante;<br />
não caminhou guias, programas:<br />
viveu-as de dentro, habitante.<br />
A guerra não o deixou andar<br />
outras que também lhe eram íntimas,<br />
que conhecera no Recife,<br />
habitando-as no espaço-língua.<br />
Confiou-me que se anda igualmente<br />
no cais do Apolo ou nos do Sena,<br />
que foi na Europa (não à Europa)<br />
como na Várzea ou Madalena.<br />
(MELO NETO, 1997, p.133-4)<br />
Cenas da vida de Joaquim Cardozo<br />
A tragédia grega e o mar do Nordeste<br />
Chega o Nordeste de Setembro:<br />
O Inverno se foi, com seus ventos.<br />
Tinham voz própria me dizia:<br />
com as ondas longo discutiam.<br />
Com o Inverno, acaba a temporada<br />
de teatro, a que ele não faltava,<br />
quando ainda engenheiro de campo<br />
arma, à noite, a tenda de pano.<br />
Dizia ouvir, marés inteiras,<br />
diálogos de tragédia grega:<br />
O vento e o mar se apostrofavam<br />
com vozes aos berros, de raiva,<br />
e com tal raiva, com tal nervo,<br />
que dispensava ler o texto.<br />
Dizia sentir o tremendo<br />
da tragédia, seu argumento,<br />
a que o murmurar dos coqueiros<br />
fazia o coro lastimeiro.<br />
Na maré-alta, o pleito sobe,<br />
na maré-baixa, baixa e morre.<br />
O teatro desses personagens<br />
que entoavam vozes sem face<br />
pensava algum dia escrever,<br />
dando ao som um texto que ler.<br />
Seguiria seu ritmo, enchendo-o,<br />
subindo e caindo no silêncio.<br />
Não é essa a curva das estórias?<br />
Não é esse o trajeto da História?<br />
(Não soube se escreveu tais peças.<br />
Talvez, pensando melhor nelas,<br />
achasse ocioso por palavras<br />
em formas vazias tão claras).<br />
Um poema sempre se fazendo<br />
Muito embora sua obra pequena,<br />
vivia escrevendo-se um poema:<br />
não no papel, mas na memória,<br />
um papel de pouca demora.<br />
Na memória, é fácil compor<br />
todo o dia, seja onde for:<br />
sentado, escritor, numa mesa,<br />
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