HELÂNIA CUNHA DE SOUSA CARDOSO A POESIA ... - Educadores
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Nem sei de que lado é que vivo;<br />
só sei que é a três gritos daqui.<br />
Nada disso. Sou muito feia<br />
se pusessem nas mil-pesetas<br />
meu retrato, ninguém queria:<br />
nem de troco, as receberia.<br />
Olhando passar uma velha<br />
que dá na vista de tão suja:<br />
Aquela? nunca tomou banho,<br />
mesmo debaixo de uma ducha;<br />
se alguém a obrigar a duchar-se,<br />
abre na ducha um guarda-chuva.<br />
Num bar da Praça da Campana,<br />
umbigo de Sevilha e da Espanha;<br />
um não-andaluz, da calçada,<br />
levanta-se quando ela passa:<br />
Quié bien domiría contigo<br />
Resposta dela, como um tiro:<br />
Era tudo o que tu farias?<br />
Dormir?Terei cara de pílula?<br />
O que é que tu pensas de Franco?<br />
De que Franco?De Don Francisco?<br />
Imagina a serra do Alcor,<br />
baixinha mas toda em granito.<br />
Nunca ele soube distinguir<br />
quem Pepe Luís quem Manolete,<br />
nem saber se estavam cantando<br />
por fandanguillo ou martinete.<br />
Quando ele vinha por Sevilha<br />
nos faziam dançar, mas digo:<br />
o que lê gostava é de ver<br />
soleares dançadas por bispos.<br />
Tinha próprio dicionário<br />
e própria escada de valores,<br />
onde o degrau mais elevado<br />
era o que dizia salobre.<br />
Infundio nele não é mentira,<br />
coisa de frouxo fundamento:<br />
é o falso com imaginação,<br />
mentira talvez, mas com engenho.<br />
Nesse dicionário as palavras<br />
não deixam de ser entendidas,<br />
mas têm esses desvio mínimo<br />
que faz da língua murcha,viva.<br />
(MELO NETO, 1997, p.231)<br />
A entrevistada disse, na entrevista:<br />
Sou de Cádis, não de Sevilha.<br />
Mas isso é entre nós, não o diga.<br />
O que pode ser para alguém<br />
não nascer em Sevilha, e quem<br />
será capaz de confessar<br />
que nasceu num outro lugar?<br />
Quando a guerra civil bem quis<br />
voltei para onde não nasci.<br />
Sevilha?É o mais grande do mundo,<br />
é onde o alegre toca o profundo.<br />
Madrid?É o lugar onde vais dançar,<br />
mas há carros demais.<br />
Barcelona?Dançar é em vão,<br />
não aplaudem, sentam nas mãos.<br />
Coitados, são de uma outra gente.<br />
Não são?Mas querem que se pense.<br />
Vai para Marselha?Me lembro.<br />
A gente de lá, todo o tempo,<br />
vai e vem, vivendo nas ruas;<br />
não sei onde vai quando a chuva.<br />
Viver em Pernambuco?É longe.<br />
Aloísio falava cabonde<br />
de plantas de cana, de açúcar;<br />
lá tudo é doce ou são doçuras.<br />
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