HELÂNIA CUNHA DE SOUSA CARDOSO A POESIA ... - Educadores
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gastou dez anos para concluí-lo. Na sua rigorosa elaboração, percebemos uma articulação<br />
de diferentes planos de percepção do real e de representação de valores a partir de<br />
metáforas sinestésicas que envolvem o olhar, a audição e o tato, as quais nos remetem a<br />
dimensões de espaço e tempo em poesia.<br />
Nesse caso, o uso de palavras concretas corporifica a idéia de um amanhecer, ou<br />
seja, dá corpo a uma imagem abstrata. A concretude da manhã é sugerida inicialmente pelo<br />
verbo usado no título do poema: Tecendo a manhã. O ato de tecer é tátil, depende das mãos<br />
daquele que tece. Além do mais, sugere uma marcação temporal, pois exige paciência e<br />
cuidados, é lento.<br />
Quanto à representação de valores, quando um galo tece, ele adota o mesmo<br />
princípio produtivo de uma aranha, isto é, implica um trabalho que enreda outros seres,<br />
outros galos, que ao final, entram e se entretendem todos no toldo da manhã. A sonoridade<br />
do canto conjunto dos galos também é ouvida na aliteração do fonema /t/, que aparece nos<br />
últimos versos do poema, reforçando essa idéia de coletividade.<br />
Sem a pretensão de esgotar a leitura do poema em estudo, lembramos que todas<br />
essas observações são importantes na medida em que esclarecem os processos de<br />
composição do poeta e revelam as formas de intercurso dessa literatura com outras<br />
linguagens artísticas.<br />
No sentido de evitar análises exaustivas de poemas pertencentes a todos os livros de<br />
João Cabral, neste capítulo selecionamos alguns textos, nos quais tentamos evidenciar os<br />
fundamentos do projeto visual de João Cabral e os seus modos de organização diante das<br />
exigências da vida moderna. Nos capítulos seguintes, continuamos delimitando nosso<br />
corpus, restringindo nossas análises apenas aos poemas que, de algum modo, explicitam os<br />
diálogos da poesia cabralina com tendências artísticas espanholas.<br />
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