Tese 8 - Neip
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A diferença entre este caso e o do estudante que ficou detido acusado de tráfico em<br />
2007 no Rio enquanto seus colegas retornaram para Salvador está na reação reflexiva.<br />
Enquanto no primeiro caso os colegas se conformaram em lamentar a “injustiça” da<br />
situação, no caso presente houve a mobilização dos colegas estudantes de psicologia e<br />
posteriormente da Coordenação Nacional dos Estudantes de Psicologia, do Conselho<br />
Federal de Psicologia e de dois Conselhos Regionais. Este respaldo institucional da<br />
comunidade de Psicologia 199 confere legitimidade e ampliação da reflexividade em<br />
torno da problemática. Os três estudantes que foram acusados de tráfico acabaram num<br />
primeiro plano representando a comunidade dos estudantes de psicologia que eram<br />
usuários como também num plano mais amplo, representaram a comunidade de<br />
Psicologia independentemente de seus membros serem usuários ou não. Esta<br />
comunidade se reuniu para defender seus membros da estigmatização.<br />
A amplitude do problema dos usuários acusados de tráfico está na imprecisão da lei<br />
que leva a um impasse em relação à sua interpretação. Se em tese, a lei 11.343/06<br />
desonera o usuário em detrimento do traficante, a definição prática de quem é usuário e<br />
quem é traficante ainda gera polêmica, pois se concentra na interpretação do agente de<br />
controle que julgar a ocorrência. Uma das contribuições mais significativas para analisar<br />
as implicações dessa imprecisão decorre da reflexividade que está sendo gerada pela<br />
pesquisa Tráfico de Drogas e Constituição no Brasil, realizada pelo Grupo de Pesquisa<br />
em Política de Drogas e Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro,<br />
em parceria com a Universidade de Brasília (Boiteux, Castilho, Vargas, Batista, Prado<br />
& Japiassu, 2009). A pesquisa analisou 730 sentenças no Rio de Janeiro e em Brasília,<br />
entre 2006 e 2008. Foi constatado que no Rio de Janeiro, 66,4% dos condenados por<br />
tráfico de drogas são primários, 65,4% respondem apenas por tráfico (sem associação<br />
ou quadrilha), 60,8% foram presos sozinhos, 91,9% em flagrante e apenas 14,1%<br />
estavam armados. A análise dos dados indica que a atuação da Justiça Penal acaba<br />
enquadrando os elos mais vulneráveis, ou seja, os pequenos traficantes – que não são<br />
peças centrais do tráfico, sendo rapidamente substituídos na rede de vendas. O mais<br />
problemático é que na prática também são enquadrados muitos usuários, pois apesar da<br />
199 - e esta mudança de postura no campo da psicologia é significativa, pois, quando estudante de<br />
graduação neste curso, estagiando no atendimento clínico no começo da década de 1990, havia uma<br />
orientação para que os estagiários não atendessem casos de usuários de drogas. De acordo com os<br />
professores que nos orientavam, este era um campo problemático que só os psiquiatras estavam<br />
devidamente aparelhados para enfrentar. Lembro que fui o único estudante a quebrar este padrão e de ter<br />
virado motivo de piada entre os colegas por este motivo.<br />
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