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Tese 8 - Neip

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muito restrita e depois passou a ser a droga mais forte lá dentro. Eu convivi<br />

com a decadência que o crack criou. Começou a facilitar a queda de alguns<br />

acordos, de um código de ética, tipo roubo. Uma vez alguém fumou e deu<br />

uma facada na bunda de outro. Alguma coisa pequena que foi extravasada.<br />

Eu fiquei num lugar lá, na lavanderia e tinha algumas pessoas, alguns expoliciais<br />

que usavam crack, e fui assediado pra ficar dependente, ficar<br />

viciado, pra ficar preso a eles e quem fica preso prometia as coisas;<br />

televisão, etc...<br />

T.V. - Como você lidou com a situação?<br />

Esculápio - Eu fui rejeitando, usei algumas vezes lá dentro. Tinha um<br />

efeito, inclusive por estar lá dentro. O prazer é relacionado ao fato de você<br />

estar preso e você experimenta algumas sensações que passam a ter um<br />

significado, pelo fato de você tá preso. Mas senti que é uma coisa altamente<br />

viciante, muito fácil de criar uma dependência e fui deixando de lado. Eu<br />

usei talvez 10,15 vezes num período de 3 meses(...) Aqui fora não teria<br />

interesse em usar. (VALENÇA:2005,147)<br />

Quando Esculápio diz que: “O prazer é relacionado ao fato de você estar preso e<br />

você experimenta algumas sensações que passam a ter um significado, pelo fato de você<br />

tá preso”, é possível que haja uma indicação de que o processo de consumo de crack,<br />

geralmente tido como autodestrutivo, seja a representação da liberdade que resta nestas<br />

específicas condições de controle social. De modo geral, se, para os que dispõem de sua<br />

liberdade, o consumo de drogas ilícitas pode trazer insegurança em função de sua<br />

ilicitude, para os presos que não dispõem de liberdade, o consumo de drogas é uma das<br />

poucas alternativas seguras de manter acesa a chama da busca por liberdade. Contudo,<br />

pensando o crack como capital cultural no cárcere, seus efeitos são representados de<br />

forma oposta aos da maconha. Enquanto a maconha, como mecanismo de controle<br />

social, tem a função de evitar que a “cadeia vire”, o crack até facilita a viração.<br />

Dialogando com Grund e Zinberg, a disponibilidade de aquisição de crack na cadeia,<br />

onde geralmente os residentes possuem mínimo controle sobre suas estruturas de vida,<br />

facilita o uso compulsivo, o que interessa aos que lucram com seu comercio. Esculápio<br />

entretanto, indica que é possível manter algum controle sobre seu uso.<br />

Após dois anos e quatro meses vivendo nesse setting – o mesmo onde Buda<br />

posteriormente trabalhou como redutor de danos, também constatando que a maconha<br />

segura a “viração” - Esculápio se mostrou uma pessoa tranquila, que relatou sua<br />

experiência no cárcere sem maiores traumas, todavia, não passou despercebido que ao<br />

ser entrevistado em sua casa, tivemos que trocar de lugar algumas vezes, pois ele<br />

receava que os vizinhos pudessem ter acesso à nossa conversa. Talvez ele tivesse razão<br />

em ser tão precavido, ou talvez tal precaução fosse sequela da estrutura panóptica da<br />

prisão.<br />

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