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Tese 8 - Neip

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pragmático sobre o consumo de drogas, ao entrar na abordagem da questão religiosa,<br />

manifestou uma maleabilidade quanto à sua demanda por controle:<br />

Nereu - Eu não conheço outras drogas, agora eu usei muito a ayahuasca,<br />

usei jurema também, uma experiência muito semelhante à ayahuasca. Foi<br />

uma descoberta, porque foi num contexto religioso, tem toda uma carga<br />

emocional, uma expectativa grande. A potencia da substância é<br />

incomensurável com um baseado, mexe profundamente com seu<br />

inconsciente, entra em contato com regiões interiores de uma forma muito<br />

intensa e prolongada. Na primeira vez que tomei, no caso era o Daime, foi o<br />

contato com a espiritualidade, eu fiquei tocado com o reencontro com a<br />

religiosidade. Eu tive uma formação católica, acreditava em Deus até entrar<br />

na adolescência, não tinha uma prática religiosa, mas tinha um sentimento<br />

de respeito. Com a adolescência fiquei ateu, totalmente materialista. Hoje<br />

penso que o lugar da religiosidade é o lugar do mistério. O Daime também<br />

foi através de amigos, lá na Chapada (Diamantina), tomei na mata, num<br />

ritual. É a coisa de contato com a natureza e sentir o corpo. Nesse período<br />

continuei fumando maconha de maneira lúdica, sem problema nenhum...<br />

aliás, acabou dando um certo significado... a experiência com a maconha<br />

mudou, mexer com estados de consciência não é brincadeira. A partir de<br />

uma consciência maior do que eu estava fazendo quando eu estava usando<br />

um psicoativo, eu passei a ter um respeito maior pela maconha. Ela tem que<br />

ser usada de uma maneira que me faça bem. Tenho curiosidade de conhecer<br />

o ecstasy, eu acho que uma ou duas experiências não mataria ninguém não.<br />

Faltou oportunidade, também eu não quero sair atrás.<br />

(VALENÇA:2005,189/90)<br />

As experiências com o Daime favoreceram que Nereu reencantasse a sua leitura de<br />

alguns valores ligados ao catolicismo, inclusive configurando a religião em sua vida<br />

como “o lugar do mistério”. Essa possibilidade de fusão de uma estrutura religiosa com<br />

o consumo de uma substância psicoativa indica como alguns interlocutores podem estar<br />

mais próximos de significar a cultura do Daime enquanto procedimento reflexivo, do<br />

que concebê-lo como fruto da fé cega, quando a entrega muitas vezes oblitera a<br />

reflexividade.<br />

Pã - Quando o Daime surgiu eu pensei: se eu tenho que participar de<br />

alguma religião tem que ser essa. Tem os sacramentos, tem um chá que<br />

parece ácido e tem a cannabis também. (VALENÇA:2005,193)<br />

Essa fala indica que um nicho de tradição permaneceu pulsando no set do interlocutor<br />

até que ele pudesse estar integrado num setting em que ambas as possibilidades, o<br />

estabelecido – “os sacramentos” - e o outsider – “um chá que parece ácido e tem a<br />

cannabis também” – não causassem conflitos internos e melhor, sem a pecha de uma<br />

cultura marginalizada, pois ao dispor “sacramentos” e “psicoativos” num mesmo<br />

setting, Pã pode estar indicando a superação do “desvio”: o consumo de sacramentos<br />

que se enraízam num processo comunitário mantendo um aspecto que propiciava<br />

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