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Tese 8 - Neip

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coisa da tensão. O próprio uso aumentava ainda mais minha paranóia, meu<br />

medo. Quando eu vendia, eu fumava menos. (VALENÇA:2005,144)<br />

Ao dizer: “Maconha não agredia os meus valores”, Esculápio deixa pistas de que a<br />

condição de usuário/traficante, não foi demandada apenas por uma “questão de<br />

necessidade financeira”. Nesse sentido, seus valores são fundamentais para desenhar sua<br />

estrutura de vida 205 . Tendo acesso diretamente aos fornecedores, é fato que não apenas<br />

sua aquisição tornava-se mais constante – e de certa forma, mais fácil - mas também os<br />

controles informais aos quais tinha que estar atento demandavam maior<br />

responsabilidade: “Eu vivia muito com a coisa da tensão. O próprio uso aumentava<br />

ainda mais minha paranóia, meu medo. Quando eu vendia, eu fumava menos”.<br />

Esculápio - A prisão por causa da maconha não chegou a fazer com que<br />

eu tivesse em relação a ela, algo traumático, que eu abominasse a maconha.<br />

Foi ideológico, foi algo cultural, não foi algo que condicionou de uma forma<br />

negativa a maconha. Na prisão por mais que eu tivesse informações sobre<br />

uso, foi surpreendente ver, logo nos primeiros dias, a quantidade, a<br />

frequência com que se fuma maconha. O acesso é bastante difícil e bastante<br />

perigoso. Tinha bastante contato com pessoas que tavam lá por tráfico. Lá<br />

dentro da prisão, a pessoa que chega lá, na hierarquia que é estabelecida lá<br />

dentro, de classificação, a pessoa que chega lá por ter vendido maconha, tem<br />

um valor, eles discriminam. Não há um estigma, há até um status. Há<br />

algumas nuances que faz que quem esteja lá por ter traficado maconha seja<br />

mais valorizado. Como alguns dizerem que quando saíssem dali (pessoas<br />

que assaltavam) projetavam parar de roubar e passar só a traficar. Isso é<br />

interessante, que de uma forma ou de outra, passava uma certa autocrítica<br />

que muitos deles têm em relação ao ato de roubar. Houve casos até de<br />

religiosos que burlaram as restrições de seus grupos e deram uma<br />

“bolinha” 206 e depois voltar lá e se esconder atrás da Bíblia. É comum os<br />

presos dizerem que se faltar maconha a cadeia vira. E a segurança sabe<br />

disso. A maconha é um fator regulador das prisões. O que eu observei é que<br />

havia um pacto entre o comando dos presos e a equipe diligente, e tinha um<br />

grupo lá que dominava e recebia quilos de maconha, pra fazer o comércio.<br />

T.V. - Você tinha vínculo com esse grupo?<br />

Esculápio - Tinha sim. Eu me ofereci pra esse grupo para trabalhar, fazer<br />

documentos para o juiz, uma carta prum diretor. E por isso eu fiquei meio<br />

visado pela segurança que armou algumas ciladas pra mim. Por exemplo,<br />

quando eu passei pra cela especial, que ia tomar sol numa parte interna, me<br />

entregaram, só que alguém lá tinha me dado um toque, e eu tive mais<br />

cuidado. Fui muito sacaneado pela segurança pelo meu diploma. Cheguei a<br />

sair do pátio onde eu convivia com os presos de um modo geral porque até<br />

poderia morrer. (VALENÇA:2005, 146)<br />

205 - de acordo com o modelo pensado por Grund (1993), os elementos centrais da estrutura de vida não se<br />

limitam à disponibilidade de aquisição da substância, mas sim aos controles informais que o usuário<br />

imprime ao cotidiano, inclusive em relação a questões que não se reduzem ao consumo de drogas.<br />

206 - dar uma bolinha = fumar maconha.<br />

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