Tese 8 - Neip
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curso eu sentia que tinha um certo tempo para desarmar os espíritos. Esse<br />
curso eu faço questão de abrir para alunos especiais. Havia psicólogos,<br />
assistentes sociais, pessoas mais maduras. A resistência é por parte de<br />
pessoas que jamais conceberam que na academia, um professor sério<br />
pudesse dar uma aula sobre drogas que não fosse uma aula antidrogas.<br />
Todo semestre tem pelo menos um aluno que vem esperando uma aula<br />
antidrogas, como evitar a droga. Até esse termo droga, durante muito tempo<br />
fui contra o uso dele porque ele tem uma carga conotativa muito forte.<br />
“Droga, se fosse bom não tinha esse nome!”. Uma parte do curso é pra<br />
quebrar essa visão. Pra mim esse curso é uma das coisas mais importantes<br />
que eu faço aqui na universidade. Eu vejo mudanças radicais nas pessoas...<br />
elas vêm falar pra mim no final do curso. Em um ou dois casos tenho feito<br />
amizades mais ou menos duradouras. Em alguns casos surgem pessoas que<br />
pedem para eu orientá-las. Se estabelece um clima de amizade,<br />
cumplicidade. Eu me preocupo que as pessoas vejam isso como uma<br />
disciplina séria, e é um enfoque sério, porque não se vê as drogas como uma<br />
coisa séria. Por isso eu tenho que tomar cuidado, porque se pensam que eu<br />
sou aquele professor muito louco, não vou chegar muito longe.<br />
Eu acho que eu estou abrindo um espaço. Essa visão socioantropológica é<br />
um campo que tá começando a se consolidar. Até agora as Ciências Sociais<br />
não tem reconhecido a importância da discussão das drogas. Eu já sugeri à<br />
ANPOCS (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências<br />
Sociais), um trabalho e nunca foi aceito. A ABA (Associação Brasileira de<br />
Antropologia) também não tem posição sobre isso. Entre as pessoas no ramo<br />
de saúde, eles estão começando a admitir que a discussão das drogas não<br />
deve ser feita de uma forma puramente biológica, que precisa ter uma<br />
abordagem biopsicossocial. Mas na prática, quem entende de drogas são os<br />
médicos. Agora, além dos psicólogos, também são chamados a dar sua<br />
opinião, os sociólogos, os antropólogos. Mas na sociologia e na antropologia<br />
ainda não se entendeu isso. Vem surgindo pessoas com 15 anos ou mais a<br />
menos do que eu, e é essa geração que acho que vai realmente conseguir<br />
consolidar essa discussão. (VALENÇA:2005,137)<br />
Na busca por “conseguir consolidar essa discussão”, Pã é um docente que está pondo<br />
em prática um projeto acadêmico reflexivo sobre um tema outsider, projeto que muito<br />
além de ser um simples repasse de informações em sala de aula, propicia relações<br />
amigáveis, pautadas na geração de confiança. Respaldados nesta confiança, alguns<br />
alunos de Pã também esboçam projetos de pesquisa e intervenção sobre drogas levando<br />
em conta as demandas de redução de riscos e danos da sociedade civil. Precursor esse<br />
discurso herético, Pã aos poucos foi se tornando consagrado, um outsider estabelecido<br />
que sustenta uma “certa reputação” para realizar um trabalho acadêmico cujos<br />
resultados acabam atingindo os que estão além dos muros da academia.<br />
Numa interlocução recente, Pã discordou que o movimento antiproibicionista que vem<br />
sendo construído entre os estudantes metaespecialistas seja algo novo, pois alguns<br />
docentes já abordavam a questão quando grande parte destes universitários ainda era<br />
criança:<br />
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