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o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

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10 diAcríticA<br />

um poeta vai dialogan<strong>do</strong> com um suposto grupo <strong>de</strong> leitores e discutin<strong>do</strong><br />

noções <strong>de</strong> poética como «discurso», «palavra», «estilo», «gramática»<br />

ou «vocabulário», por exemplo. O primeiro <strong>de</strong>stes textos foi edita<strong>do</strong><br />

na revista caliban 1 , antecedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma introdução em prosa que, mais<br />

tar<strong>de</strong>, se autonomizaria em Photomaton & Vox, sob o título <strong>de</strong> «(movimentação<br />

errática)». Aí, o autor <strong>de</strong>clarava-se disposto a «levar a linguagem<br />

à carnificina, liquidar-lhe as referências à realida<strong>de</strong>, acabar<br />

com ela – e repor então o silêncio» (Hel<strong>de</strong>r, 2006a: 126). Tomava assim<br />

a morte nas próprias mãos. questionava-se se não estaria «bastante<br />

maduro e rui<strong>do</strong>samente pronto» (ibi<strong>de</strong>m) para não escrever mais no<br />

último poema, que dizia ter aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> em 1968. A opção <strong>de</strong> <strong>Herberto</strong><br />

pelo silêncio relaciona-se com uma utópica formulação <strong>de</strong> Borges,<br />

num <strong>do</strong>s artigos que integram as suas discussões 2 . Reflectin<strong>do</strong> sobre o<br />

esta<strong>do</strong> das letras argentinas em 1930, o autor i<strong>de</strong>alizava que se lesse em<br />

silêncio e que existisse uma «escrita puramente i<strong>de</strong>ográfica – directa<br />

comunicação das experiências e não <strong>do</strong>s sons» (Borges, 1989: 211).<br />

O levantamento <strong>de</strong> tal hipótese coloca a literatura perante a evidência<br />

<strong>de</strong> não ser verda<strong>de</strong>iramente a «directa comunicação <strong>de</strong> experiências»<br />

(ibi<strong>de</strong>m), uma vez que entre o escritor e o leitor se interpõe a linguagem<br />

que, inevitavelmente, afasta a forma textual, escrita ou sonora, da<br />

«paixão <strong>do</strong> assunto trata<strong>do</strong> que manda no escritor» (ibi<strong>de</strong>m). O facto<br />

<strong>de</strong> se servir da língua, sistema artificial e arbitrário, vota a literatura<br />

ao fracasso da intenção expressiva. Tal consciência justifica, na<br />

obra herbertiana, a <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> silêncio como justa expressão poética e<br />

parece, por isso, legitimar a citação <strong>de</strong> uma mesma frase, em <strong>do</strong>is <strong>do</strong>s<br />

textos <strong>de</strong> Photomaton & Vox, «(movimentação errática)» e «(antropofagias)»<br />

(Hel<strong>de</strong>r, 2006a: 124-128). A consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> Borges recolhida<br />

pelo poeta português é a <strong>de</strong> que: «A literatura é uma arte que sabe<br />

profetizar aquele tempo em que terá emu<strong>de</strong>ci<strong>do</strong>, encarniçar-se com<br />

a própria virtu<strong>de</strong>, enamorar-se da sua dissolução e encontrar o fim»<br />

(i<strong>de</strong>m, 126).<br />

O silêncio anuncia<strong>do</strong> por <strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r não se verificou em<br />

1968, mas os anos que se seguiram pautaram-se pela expansão <strong>do</strong> exercício<br />

metapoético <strong>de</strong> andar enamora<strong>do</strong> pela «dissolução» da literatura<br />

e <strong>de</strong> participar na profecia <strong>do</strong> seu «fim». O crime arvora<strong>do</strong> pelo poeta<br />

1 caliban 2 (revista literária coor<strong>de</strong>nada por J. P. Grabato Dias e Rui Knopfli),<br />

Lourenço Marques, Novembro <strong>de</strong> 1971, pp. 31-33.<br />

2 Jorge Luis Borges, «A Supersticiosa Ética <strong>do</strong> Leitor», discussão (trad. José<br />

Colaço Barreiros, colecção Obras Completas), Lisboa, Círculo <strong>de</strong> Leitores, pp. 209-212.

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