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o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

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o NONSeNSe que fAz senti<strong>do</strong>(s)<br />

257<br />

Mas talvez a súmula da temática <strong>do</strong> tempo e da morte surja em<br />

«(Um Chama<strong>do</strong>) Desejo eléctrico» – este também um último exemplo<br />

<strong>de</strong> trocadilho (<strong>de</strong>sta vez a alusão, por anástrofe, a «Um eléctrico<br />

chama<strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo», título português <strong>de</strong> A streetcar named <strong>de</strong>sire, peça<br />

<strong>de</strong> Tennessee Williams <strong>de</strong> 1947, passada ao cinema por elia Kazan).<br />

Perante o envelhecimento, caminho para o ‘não-lugar’ último, reafirma-se<br />

a memória como lugar pleno da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Ainda que, em<br />

breve, as recordações sejam «pó», o sujeito poético atribui a esse<br />

espaço seguro, virtual, on<strong>de</strong> o que já foi se apresenta como um «sonho<br />

<strong>de</strong> bebé», um «preço» máximo, como se fosse o que, feitas as contas,<br />

<strong>de</strong> mais valioso possui:<br />

Conclusão<br />

• Ter que ser velho e, como um bebé, sonhar, <strong>do</strong>rmir <strong>de</strong> pé<br />

Pago um preço, ofereço um berço on<strong>de</strong> já estive <strong>do</strong>ente<br />

Pago um preço, ofereço um brinque<strong>do</strong> que embalei <strong>do</strong>lente (…)<br />

Pago um preço, <strong>do</strong>u um sorriso<br />

Pago um preço, o meu primeiro <strong>de</strong>nte<br />

qual é o teu preço brinca comigo (fica comigo)<br />

qualquer preço, recordações da avó<br />

e pago o teu preço<br />

qual é o teu preço<br />

Não te mereço<br />

qualquer preço<br />

Recordações em pó<br />

(«(Um Chama<strong>do</strong>) Desejo eléctrico», in Valsa <strong>do</strong>s <strong>de</strong>tectives, 1989)<br />

Poliglota, frenético, <strong>de</strong> verbo fácil e in<strong>do</strong>mável, Reininho <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bra-se<br />

em múltiplas encarnações temáticas e roupagens linguísticas<br />

– <strong>do</strong> trocadilho à metáfora, <strong>do</strong> símile à aliteração – habitan<strong>do</strong> paisagens<br />

poéticas que <strong>de</strong>smentem o espera<strong>do</strong> e transfiguram a vivência<br />

quotidiana. O aparente «nonsense» não passa, portanto, <strong>de</strong> uma pose<br />

lúdica, <strong>de</strong> uma encenação linguística, que se situa apenas na epi<strong>de</strong>rme<br />

das palavras. Para os menos distraí<strong>do</strong>s, ele escon<strong>de</strong> senti<strong>do</strong>s coesos e<br />

recorrentes, num mosaico que nada tem <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconexo, mas antes <strong>de</strong><br />

articula<strong>do</strong> e convergente. Seja na pele <strong>do</strong> amante volúvel, <strong>do</strong> cínico<br />

urbano, <strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r crítico, <strong>do</strong> he<strong>do</strong>nista convicto, <strong>do</strong> joga<strong>do</strong>r, <strong>do</strong><br />

noctívago ou <strong>do</strong> viajante, Reininho mantém una a imagem <strong>de</strong> inconformista,<br />

experimenta<strong>do</strong>r, iconoclasta, provoca<strong>do</strong>r. Nessas personas<br />

variadas, que ganham corpo na linguagem plurívoca <strong>do</strong> poema, ele é<br />

também o que procura e per<strong>de</strong>, encontra e esquece, chama e <strong>de</strong>ixa, vê<br />

e julga, ri e sofre, goza e teme. Contraditório, claro, mas lúci<strong>do</strong> e vivo.

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