o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
As fronteirAs <strong>do</strong> Poético nA PoesiA <strong>de</strong> <strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r<br />
porque eu, o mun<strong>do</strong> e a língua<br />
somos um só<br />
<strong>de</strong>sentendimento (Hel<strong>de</strong>r, 2008: 169)<br />
149<br />
Ao fazê-lo vai transformar o seu corpo na terra em que essa língua<br />
é plantada, para <strong>de</strong>la nascer numa operação alquímica:<br />
se <strong>do</strong> fun<strong>do</strong> da garganta aos <strong>de</strong>ntes a areia <strong>do</strong> teu nome,<br />
se riscasse com a abrasadura, se<br />
em cima e em baixo mexi<strong>do</strong> às escuras,<br />
o forno com a mão a ver se ela podia<br />
que uma púrpura em flor fosse até ao coração,<br />
unhas e tu<strong>do</strong> (Hel<strong>de</strong>r, 2008: 171)<br />
Lavrar, labareda, são termos análogos nesta proximida<strong>de</strong> fonética<br />
que conduz à erupção <strong>do</strong> nome primitivo, o Verbo <strong>do</strong> Génesis; e é por<br />
isso que o poema correspon<strong>de</strong> à morte <strong>de</strong> Deus: «até que Deus é<br />
<strong>de</strong>struí<strong>do</strong> pelo extremo exercício da beleza». A operação alquímica<br />
é algo <strong>de</strong> imaterial, que se situa numa zona anterior ao mun<strong>do</strong> –<br />
da<strong>do</strong> que nela o espaço é o <strong>do</strong> Criação como acto e não o da Criatura.<br />
Por isso somos confronta<strong>do</strong>s com o perigo extremo <strong>de</strong>ste exercício<br />
<strong>de</strong> analogia <strong>do</strong> Cria<strong>do</strong>r com Deus – esse Deus que é morto pela sua<br />
Criatura (o Nietzsche da filosofia em «Assim falou Zaratustra»); mas o<br />
próprio Cria<strong>do</strong>r assimila<strong>do</strong> a Deus acaba por se ver <strong>de</strong>struí<strong>do</strong> pela sua<br />
obra – «um <strong>do</strong>s módulos da peça caiu e esmagou-o contra um suporte<br />
<strong>de</strong> aço / <strong>do</strong> atelier» (i<strong>de</strong>m, 200).<br />
O que sobrevive <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> é a criação em acto, e não o instante<br />
final em que ela emerge das mãos <strong>de</strong> um Cria<strong>do</strong>r que não po<strong>de</strong> já assimilar-se<br />
a esse Deus <strong>de</strong>struí<strong>do</strong>. O sujeito <strong>do</strong> poema, então, é a própria<br />
Beleza, aniquilan<strong>do</strong> o poeta que, no seu interior, não dispõe já<br />
<strong>de</strong> qualquer presença efectiva para além da convicção <strong>de</strong> que «a faca<br />
não corta o fogo» metáfora final da inutilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> acto escultórico, <strong>do</strong><br />
entalha<strong>do</strong>r, contra um fogo – a criação imaginativa – que se tornou o<br />
seu próprio sujeito e agente.<br />
bibliografia<br />
cl a u d e l, Paul (1966), réflexions sur la poésie, Paris, Gallimard.<br />
Hel<strong>de</strong>r, <strong>Herberto</strong> (2008), A faca não corta o fogo: súmula & inédita, Lisboa,<br />
Assírio & Alvim.