15.04.2013 Views

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

«e o temPo não PAssA»: As cArtAs dA guerrA <strong>de</strong> António lobo Antunes<br />

273<br />

romance tem <strong>de</strong> ser uma espécie <strong>de</strong> tricot subterrâneo, a correr por<br />

baixo da aparência. Bem, isto é tu<strong>do</strong> dito <strong>de</strong>pressa e sem emenda nem<br />

pensar (CG: 233-234).<br />

e quan<strong>do</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sucessivas revisões <strong>do</strong> romance que estava<br />

a escrever, faz o seu balanço oficinal, parece que estamos a ouvir um<br />

ALA muito mais tardio, um ALA que é já reconheci<strong>do</strong> como autor<br />

precisamente pelas características que muito lucidamente ele sabe já<br />

aqui que possui:<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 16 anos <strong>de</strong> trabalho, acho que <strong>de</strong>scobri uma maneira <strong>de</strong> usar<br />

as palavras razoavelmente (...) no Voo [é o título provisório <strong>do</strong> romance]<br />

não se po<strong>de</strong>rem apontar influências <strong>de</strong> ninguém. Na realida<strong>de</strong> acho<br />

que não existem. É o trabalho <strong>de</strong> um sujeito que ganhou a própria<br />

in<strong>de</strong>pendência à custa <strong>de</strong> muito esforço mas a ganhou. O resto, claro,<br />

é tu<strong>do</strong> muito discutível, mas penso que isso não. Po<strong>de</strong> não se gostar <strong>do</strong><br />

excesso, talvez, <strong>de</strong> adjectivos e <strong>de</strong> advérbios, <strong>de</strong> enumeração paralela.<br />

Po<strong>de</strong> preferir-se mais concisão. Detestar o absur<strong>do</strong>, sei lá. Tu<strong>do</strong>. A verda<strong>de</strong><br />

é que este mo<strong>do</strong> é o meu, e me agrada, a mim, ler-me (CG: 319).<br />

Sublinharia que a luci<strong>de</strong>z oficinal se acompanha <strong>de</strong> uma luci<strong>de</strong>z<br />

sobre as questões da valia estética da própria obra, o que não costuma<br />

acontecer tão ce<strong>do</strong>. É certo que há nestas cartas suficientes <strong>do</strong>ses <strong>de</strong><br />

megalomania literária, e regra geral é <strong>de</strong>ssa auto-confiança, ou <strong>de</strong>ssa<br />

espécie <strong>de</strong> ousadia duelista, que to<strong>do</strong> o escritor parte. escritor que<br />

<strong>de</strong>veras quer ser escritor, tem <strong>de</strong> acreditar possuir ou ser capaz <strong>de</strong> conquistar<br />

a sua diferença específica, quer dizer, a sua carta <strong>de</strong> genialida<strong>de</strong>.<br />

Mas se o escritor parte daí (e o gráfico emocional da escrita e<br />

re-escrita <strong>do</strong> seu romance é elucidativo disso), só consegue realmente<br />

continuar e persistir quan<strong>do</strong> encontra o seu tom e aceita assumir o<br />

para<strong>do</strong>xo que ele implica: aquilo que o distingue e caracteriza será<br />

sempre passível <strong>de</strong> uma leitura valorativa em termos antagónicos.<br />

Como <strong>de</strong>masiadamente bem sabemos, retórico diz-se sempre <strong>do</strong> tom<br />

<strong>do</strong> outro.<br />

É assim, no cenário <strong>de</strong> guerra, que ALA se <strong>de</strong>scobre <strong>de</strong>finitivamente<br />

romancista (<strong>de</strong>finitivamente quer aqui dizer que ALA <strong>de</strong>cidiu,<br />

por fim, dar o passo para a publicação). Se o heroísmo guerreiro foi<br />

tentação e prova rapidamente ultrapassada, a coragem exigida pelo<br />

romance, para além <strong>de</strong> vir a ser trabalhada há longos anos, leva to<strong>do</strong> o<br />

tempo da comissão em Angola para se afirmar.<br />

Creio que ninguém, incluin<strong>do</strong> o próprio autor, saberá algum dia<br />

até que ponto a experiência da guerra colonial terá si<strong>do</strong> <strong>de</strong>cisiva na

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!