o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
114 diAcríticA<br />
<strong>de</strong> <strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r e procuro o mais recente, não 2008, <strong>de</strong> que já tratei<br />
noutra altura, não o que vem antes, <strong>de</strong> que já tratei muito em muitas<br />
páginas, mas um <strong>do</strong>s inéditos <strong>de</strong> 2009, que surge n’A faca não corta<br />
o fogo <strong>de</strong> ofício cantante sem que nunca tivesse surgi<strong>do</strong> antes, nem<br />
n’A faca não corta o fogo <strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong>.<br />
O inédito:<br />
aos vinte ou quarenta os poemas <strong>de</strong> amor têm uma força directa,<br />
e alguém entre as obscuras hierarquias apo<strong>de</strong>ra-se <strong>de</strong>ssa força,<br />
mas ao setenta e sete é tu<strong>do</strong> obsceno,<br />
não só amor, poema, <strong>de</strong>samor, mas setenta e sete em si mesmos<br />
anos horren<strong>do</strong>s,<br />
nu<strong>de</strong>z horrenda,<br />
vê-se o halo da aparecida, catorzinha, onda <strong>de</strong>fronte, no soalho, para cima,<br />
rebenta a mais que a nossa altura,<br />
brilha com tu<strong>do</strong> o que é <strong>de</strong> fora:<br />
quadris on<strong>de</strong> a luz é elástica ou se rasga,<br />
luz que salta <strong>do</strong> cabelo,<br />
joelhos, púbis, umbigo,<br />
auréolas <strong>do</strong>s mamilos,<br />
boca,<br />
amo-te com <strong>do</strong>m e susto,<br />
eles dizem que a beleza per<strong>de</strong>u a aura, e eu não percebo, creio<br />
que é um tema geral da crítica académica: <strong>de</strong>ssacralização, etc., mas<br />
tenho tão pouco tempo, eis o que penso:<br />
décimo quarto piso da luz, e no topo, a tecnicamente <strong>de</strong>finida, lucarna,<br />
[que é por on<strong>de</strong> se faz com<br />
que a luz se faça,<br />
e a beleza é sim incompreensível,<br />
é terrível, já se sabia pelo menos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Velho Testamento,<br />
a beleza quan<strong>do</strong> avança terrível como um exército,<br />
e eu trabalho quanto posso pela sua violência,<br />
e tu, catorze, floral, toda aberta e externa, arrebata-me nos meus setenta<br />
[e sete vezes êrro<br />
<strong>de</strong> sobre os teus soalhos até à eternida<strong>de</strong>,<br />
com o apenas turvo e sôfrego<br />
tempo on<strong>de</strong> muito apren<strong>do</strong> que só me restam in<strong>de</strong>cência, ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sgoverno,<br />
e sim pe<strong>do</strong>filia, crime gravíssimo<br />
¿mas como crime, pe<strong>do</strong>filia, se a beleza, essa, <strong>de</strong>sencontrada<br />
nas contas, é que é abusiva?<br />
e se me é <strong>de</strong>fesa, e terrível como um exército que avança, eu,<br />
setenta e sete <strong>de</strong> morte e teoria:<br />
o acesso à música, o ru<strong>de</strong> júbilo, o poema <strong>de</strong>strutivo, amo-te<br />
com assombro,<br />
eu que nunca te falei da falta <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>,