o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
76 diAcríticA<br />
(…)<br />
ponham muito alto a música e que eu dance,<br />
flui<strong>do</strong>, infindável,<br />
apanha<strong>do</strong> por toda a luz antiga e mo<strong>de</strong>rna,<br />
os cegos, os tempera<strong>do</strong>s, ah não, que ao menos me encontrasse a paixão<br />
[e eu me per<strong>de</strong>sse nela,<br />
a paixão grega (613-614)<br />
Como ao poeta interessa a paixão, a aura, e ela se per<strong>de</strong> entre<br />
os «objectos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>», resta-lhe afastar-se da contemporaneida<strong>de</strong><br />
esquiva, difusa, perdida, superficial, temperada, morna. O poeta exige<br />
«uma canção curtida pelas cicatrizes» (613) e a socieda<strong>de</strong> não está<br />
disponível para tais excessos ou radicais insuficiências ou então se<br />
as assumisse não lhes atribuiria um significa<strong>do</strong> essencial. A cultura<br />
pós-mo<strong>de</strong>rna «é performativa e transgénica, híbrida e permeável (…)<br />
[e] a banalização <strong>do</strong> gesto pretensamente extremo nos <strong>de</strong>ixa cada vez<br />
mais indiferentes» (Barrento, 2001: 42). A atitu<strong>de</strong> exagerada na socieda<strong>de</strong><br />
actual está esvaziada <strong>de</strong> intenção globaliza<strong>do</strong>ra e i<strong>de</strong>ológica e<br />
torna-se inconsistente, gratuita, inconsequente e <strong>de</strong>scartável e a arte,<br />
ao invés <strong>de</strong> assumir algum protagonismo, caminha na retaguarda para<br />
alimentar a situação actual, assumin<strong>do</strong>-se como acrítica, ao plasmar<br />
o real quotidiano e os seus encantos. Mas a uma arte com estes objectivos<br />
o poeta disse «não» em 1971 (Hel<strong>de</strong>r, 1995: 133) e reafirma a sua<br />
posição em 2008:<br />
(…) e escrever poemas cheios <strong>de</strong> honestida<strong>de</strong>s várias e pequenas digitações<br />
[gramaticais,<br />
com pisca<strong>de</strong>las <strong>de</strong> olho ao «real quotidiano»,<br />
aqui o autor diz: <strong>de</strong>sculpe, sr. dr., mas:<br />
merda!, 1971 – e agora,<br />
mais <strong>de</strong> trinta anos na cabeça e no mun<strong>do</strong>,<br />
e não,<br />
(…)<br />
a terra extravasa <strong>do</strong> real feito à imagem da merda,<br />
e então vou-me embora,<br />
quer dizer que falo para outras pessoas,<br />
falo em nome <strong>de</strong> outra ferida, outra<br />
<strong>do</strong>r, outra interpretação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, outro amor <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>,<br />
outro tremor,<br />
(…)<br />
luz,<br />
um punha<strong>do</strong> <strong>de</strong> luz,<br />
(…)