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o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

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<strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r: o PoemA contínuo nA PrimeirA décAdA <strong>de</strong> 2.º milénio<br />

133<br />

lação, que o toque no interruptor mova a luz <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e que se faça<br />

ouvir a «música mirabilíssima que ninguém escuta» ainda, como se<br />

apenas se fizesse ouvir «o duro nome da […] oficina <strong>de</strong> mão torta». Na<br />

nota <strong>de</strong> abertura a ou o poema contínuo, há uma metáfora continuada<br />

que diz a poesia na sua forma extrema, ou mais vibrante, que se vem<br />

sobrepor aos punti luminosi poundianos e aos núcleos <strong>de</strong> energia que<br />

asseguram «uma continuida<strong>de</strong> imediatamente sensível». essa metáfora<br />

é, mais uma vez, na história da poesia, a da música e, entretanto,<br />

é uma variante estranha <strong>de</strong>ssa metáfora, porque não são as qualida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> harmonia <strong>do</strong> poema que se dizem por música, não é o esplen<strong>do</strong>r<br />

matemático e cósmico, que a música vem dizer como i<strong>de</strong>al da poesia,<br />

não é o canto enquanto sopro ou mo<strong>do</strong> da respiração que vibra, emotiva<br />

ou sentimental, que é glosa<strong>do</strong>. Aqui a poesia é escrita na pauta, ou<br />

melhor, a poesia é a pauta <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se ergue a música, uma <strong>de</strong>certo não<br />

muito hínica, não muito larga nem límpida música. Surpreen<strong>de</strong>ntemente,<br />

ten<strong>do</strong> em conta as tradições <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem e se solta esta poesia,<br />

a música não é aqui uma versão <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al romântico e simbolista,<br />

não é uma hipérbole para dizer a <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za ou a complexida<strong>de</strong> composicional<br />

da poesia. É antes rebaixada à áspera materialida<strong>de</strong> <strong>do</strong> som,<br />

este som <strong>de</strong> quem sopra os instrumentos na escuridão, música às vezes<br />

<strong>de</strong> louvor à própria insuficiência. Sopram-se instrumentos, não é a<br />

boca que sopra. esta música instrumental po<strong>de</strong>mos referi-la à música<br />

contemporânea 1 , e então gran<strong>de</strong> parte das transformações e ajustes<br />

da metáfora po<strong>de</strong>m tornar-se menos estranhos, mas seria ainda uma<br />

forma <strong>de</strong> a reduzir referencialmente e <strong>de</strong> assim a per<strong>de</strong>r. As qualida<strong>de</strong>s<br />

«Não muito larga nem límpida» vão a par <strong>do</strong> som <strong>do</strong>s instrumentos<br />

toca<strong>do</strong>s «na escuridão», no louvor da insuficiência. e, entretanto,<br />

esta música sabe-se inteira, ininterrupta [logo contínua], com os seus<br />

pequenos recursos e quantida<strong>de</strong>s, e segun<strong>do</strong> as inspirações pessoais <strong>do</strong><br />

idioma. essa música é lírica, por que é em louvor <strong>de</strong>, mas em louvor<br />

da insuficiência, porque obrigada a uma exigência máxima ou impossível<br />

a <strong>de</strong> com a sua atenção pessoal ao idioma tentar restaurar uma<br />

prosódia que só outro idioma supõe, uma prosódia das quantida<strong>de</strong>s.<br />

e mais uma vez, não interessa tanto estabelecer um referente entre as<br />

línguas, mas antes supor qualquer coisa <strong>de</strong> comparável à língua pura,<br />

1 Gustavo Rubim refere-a ao jazz <strong>de</strong> forma, ao mesmo tempo, rigorosa e fecunda<br />

– «uma certa conversão da voz em instrumento musical implicada na alegoria musical<br />

herbertiana e, afinal, bem familiar a quem, por exemplo, se não mantenha sur<strong>do</strong> ao<br />

jazz: no jazz, a voz vê-se como instrumento e, por corolário, há canções on<strong>de</strong> nenhuma<br />

voz canta» (Rubim, 2008: 18)

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