o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
292 diAcríticA<br />
escapa ao engajamento assumi<strong>do</strong>. Para tanto, refugiou-se no senti<strong>do</strong><br />
literal das palavras e na economia das mesmas para não cometer<br />
nenhum <strong>de</strong>slize. O estratagema conveio-lhe, já que permitiu que o que<br />
foi respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a Baltazar se acordasse com as pretensões <strong>do</strong> morga<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> Olarias e, ao mesmo tempo, discordasse <strong>de</strong>las. Aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> à<br />
sua imo<strong>de</strong>rada vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser adulada e disputada pelos homens, não<br />
lhe convém, por uma parte, que Baltazar creia que ela o não ame, pois<br />
seria menos um a cortejá-la e a amá-la. No entanto, pelas mesmíssimas<br />
razões, por outra parte, não lhe é conveniente aceitar inequivocamente<br />
o relacionamento com o primo <strong>de</strong> D. José. Se assim fosse, Mécia<br />
ficaria presa a um só homem e reduzida a não mais po<strong>de</strong>r continuar<br />
com o seu <strong>de</strong>sregramento amoroso, vale dizer, com o seu coquetismo.<br />
Ora, face à <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira questão <strong>de</strong> Baltazar, porque se trata agora<br />
<strong>de</strong> uma pergunta <strong>de</strong>masiada apertada para mal-entendi<strong>do</strong>s entre o<br />
senti<strong>do</strong> literal e o outro que se lhe a<strong>de</strong>re usualmente, uma resposta<br />
<strong>de</strong> tipo «sim» ou «não» assumiria um senti<strong>do</strong> estrito e irrefutável. Já<br />
não daria para colocar, mais tar<strong>de</strong>, as coisas em termos <strong>de</strong> conflito<br />
<strong>de</strong> interpretação. A pergunta é <strong>de</strong>masia<strong>do</strong> inequívoca: resume a compreensão<br />
<strong>de</strong> Baltazar e solicita uma confirmação <strong>de</strong> Mécia. A moça<br />
socorre-se então <strong>do</strong> silêncio como estratégia para evitar o compromisso<br />
inequívoco, acrescentan<strong>do</strong> o narra<strong>do</strong>r, se bem nos lembramos,<br />
que «Ia cogitativa em qualquer enleio, que lhe realçava a beleza»<br />
(sm. 80). em suma, a rapariga conseguiu «o dizer-sim e o dizer-não»,<br />
como diria G. Simmel (cf. Simmel, 1895: 95) 9 .<br />
9 Todavia, em bom rigor, não se po<strong>de</strong>rá falar totalmente em coquetismo. Pelo<br />
menos, por agora. Isto, porque convém notar que Baltazar, às avessas <strong>do</strong> que suce<strong>de</strong><br />
com a vítima da coquete, neste ponto da novela, ainda não está apto para atingir qualquer<br />
dualida<strong>de</strong> contida na comunicação <strong>de</strong> Mécia. Ou seja, o <strong>de</strong>sejo <strong>do</strong> moço não<br />
irrompe <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a uma interacção dual entre atenções indicativas <strong>de</strong> entrega sentimental<br />
e ausências enunciativas <strong>de</strong> rejeição amorosa. Baltazar não chega a perceber a rejeição<br />
sentimental. Numa relação assente no mo<strong>de</strong>lo <strong>do</strong> coquetismo, o que suscita e alimenta<br />
o <strong>de</strong>sejo pren<strong>de</strong>-se com a percepção <strong>de</strong> sinais <strong>de</strong> frieza e <strong>de</strong> relutância mescla<strong>do</strong>s com<br />
os <strong>do</strong> afecto e da entrega (<strong>do</strong>uble bind). e é precisamente a percepção <strong>de</strong> que a entrega<br />
amorosa não se afigura total e <strong>de</strong> que existe sempre um risco real <strong>de</strong> per<strong>de</strong>rmos a amada<br />
que a torna aos olhos <strong>do</strong> parceiro tão <strong>de</strong>sejada e atraente. Daí o po<strong>de</strong>r-se afirmar que<br />
o <strong>de</strong>sejo inerente ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> coquetismo <strong>de</strong>scrito por Simmel radica nessa natural<br />
tendência para sobrevalorizarmos o que não possuímos ou não controlamos. Ora o<br />
<strong>de</strong>sejo amoroso <strong>do</strong> morga<strong>do</strong> não se i<strong>de</strong>ntifica com aquele que brota <strong>de</strong> quem lida com<br />
o coquetismo <strong>de</strong> uma mulher, precisamente porque se subtrai, por enquanto, a este tipo<br />
<strong>de</strong> esquema. Baltazar não tem a percepção <strong>de</strong> sofrer a manipulação da filha <strong>de</strong> Lopo <strong>de</strong><br />
Sampaio em termos <strong>de</strong> um jogo <strong>de</strong> sedução basea<strong>do</strong> na alternância <strong>do</strong> afecto e da indiferença.<br />
O comportamento da moça (tanto a comunicação verbal como a não-verbal)