o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
74 diAcríticA<br />
Os contributos para uma biografia poética foram encontra<strong>do</strong>s<br />
entre as experiências <strong>de</strong> vida <strong>do</strong> poeta e o fogo cria<strong>do</strong>r da palavra.<br />
O alinhamento <strong>do</strong>s poemas ao longo <strong>do</strong> livro permitiu que viajássemos<br />
<strong>do</strong> nascimento à morte. O primeiro, com o seu início bíblico<br />
na expulsão <strong>do</strong> Paraíso e biológico na mãe; a morte i<strong>de</strong>ntificada fisi-<br />
camente e acompanhada <strong>de</strong> algumas recomendações ou assumida<br />
como momento <strong>de</strong> passagem assegurada pela capacida<strong>de</strong> recriativa da<br />
palavra poética (cf. Silva, 2002: 396-399). Durante o percurso, encontrámos<br />
referências à mulher e ao mo<strong>do</strong> como pela beleza e pela paixão<br />
o poeta foi conviven<strong>do</strong> com o peso da ida<strong>de</strong>.<br />
a contemporaneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma obra<br />
Consi<strong>de</strong>rar conveniente a leitura <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> textos publica<strong>do</strong><br />
em 2009, segun<strong>do</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reflectir sobre a socieda<strong>de</strong><br />
actual, exige, no mínimo, uma explicação inicial. A poesia <strong>de</strong> <strong>Herberto</strong><br />
Hel<strong>de</strong>r mantém reconhecidamente uma temática consistente ao longo<br />
<strong>do</strong>s seus cinquenta anos <strong>de</strong> produção, apresenta uma já analisada<br />
dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> enquadramento em grupos ou movimentos literários.<br />
É, para além <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, uma obra que se constrói à custa <strong>de</strong> um trabalho<br />
silencioso, permanente, mas sempre ou quase sempre indiferente<br />
à crítica e às circunstâncias <strong>de</strong> cada momento. Parece-nos, por tu<strong>do</strong><br />
isso, pertinente consi<strong>de</strong>rar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> existir alguma disponibilida<strong>de</strong><br />
<strong>do</strong> poeta em aten<strong>de</strong>r à socieda<strong>de</strong> contemporânea, mais ainda<br />
neste livro <strong>de</strong> peculiares características.<br />
Os poemas <strong>de</strong> A faca não corta o fogo apresentam algumas variáveis<br />
incomuns para além das que já foram referenciadas. Dois poemas<br />
em português <strong>do</strong> Brasil <strong>de</strong>senham uma leveza e uma permeabilida<strong>de</strong><br />
a temas <strong>de</strong> alguma superficialida<strong>de</strong>. Para além <strong>de</strong>stes, outros poemas<br />
recorrem ao calão e, em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s momentos, a um linguarejar<br />
sem coor<strong>de</strong>nações gramaticais, a um falar por falar (cf. 544-548). Desta<br />
enumeração po<strong>de</strong> ainda fazer parte a utilização da acentuação gráfica<br />
interessada em <strong>de</strong>svincular-se <strong>de</strong> imposições (v.g. «sôpro» e «sopro»).<br />
Verifica-se a abertura para um espaço da linguagem não habitual,<br />
uma disponibilida<strong>de</strong>, todavia, irónica, na maior parte, para utilizar<br />
uma linguagem <strong>de</strong>scomprometida, superficial, um «divertimento<br />
linguístico» (546). Todas estas opções reflectem, à superfície e para<br />
quem lê <strong>de</strong>spreocupadamente o texto, uma arte poética <strong>de</strong>svinculada<br />
<strong>de</strong> qualquer grau <strong>de</strong> exigência, permitin<strong>do</strong> a sua compreensão com