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o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

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220 diAcríticA<br />

soneto têm um pathos muito diferente, é certo, da autoflagelação <strong>de</strong><br />

textos bem conheci<strong>do</strong>s e extraordinários como «Ah minha Dinamene,<br />

assi <strong>de</strong>ixaste» e «erros meus, má fortuna, amor ar<strong>de</strong>nte». No entanto,<br />

nenhuma das peças que este parágrafo nomeou coube na in<strong>conto</strong>rnável<br />

edição camoniana <strong>de</strong> Leo<strong>de</strong>gário A. <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> Filho, e algumas<br />

<strong>de</strong>las são mesmo atribuídas, antes <strong>de</strong> 1578 e/ou em versões diferentes,<br />

a Diogo Bernar<strong>de</strong>s… 16<br />

Salvo melhor <strong>de</strong>monstração, também consi<strong>de</strong>ro altamente improvável<br />

que <strong>de</strong>poimentos da terribilità camoniana como «O dia em que<br />

eu nasci» possam atribuir-se a poetas contemporâneos estilisticamente<br />

mais próximos <strong>de</strong>ste soneto <strong>do</strong> que um Corte-Real, com o seu <strong>de</strong>scritivismo<br />

apocalíptico, ou um Ferreira tragediógrafo, a quem também se<br />

<strong>de</strong>vem poemas líricos que lamentam, ou preten<strong>de</strong>m eclipsar, o dia <strong>do</strong><br />

próprio nascimento.<br />

Não estamos seguros, claro, <strong>de</strong> que não haja um poeta <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>,<br />

e activo no terceiro quartel <strong>do</strong> século XVI, capaz <strong>de</strong> escrever um<br />

soneto como «O dia em que eu nasci». Nesse caso, porém, ele teria <strong>de</strong><br />

ser capaz da força expressiva e, em termos comparativos, extraordinária<br />

<strong>do</strong>s versos 7 e 8, ser capaz <strong>de</strong> dar nova eficácia a temas e tons<br />

correntemente utiliza<strong>do</strong>s por figuras reputadas da poesia da época<br />

(Corte-Real e Ferreira) e, ao mesmo tempo, a<strong>do</strong>ptar maneirismos estilísticos,<br />

fraseológicos e lexicais contemporaneamente inseparáveis<br />

da poesia <strong>de</strong> Luís <strong>de</strong> Camões, trazen<strong>do</strong>-os a um novo horizonte <strong>de</strong><br />

autoflagelação. Admitamos ao menos a improbabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um poeta<br />

permanecer obscuro, sem obra significativa, nestas condições…<br />

7. Outro argumento contra a autoria <strong>de</strong> Camões consiste no facto<br />

<strong>de</strong> as edições seiscentistas <strong>de</strong> Álvares da Cunha e Faria e Sousa não<br />

16 «quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> minhas mágoas a comprida», cuja apreciação por Jorge <strong>de</strong> Sena<br />

(em os sonetos <strong>de</strong> camões e o soneto quinhentista Peninsular, 2.ª edição, p. 80) suscita<br />

a minha total concordância («É um <strong>do</strong>s mais belos sonetos <strong>do</strong> século XVI, um <strong>do</strong>s<br />

melhores e mais comoventes <strong>do</strong>s que andam na obra <strong>de</strong> Camões»), é atribuí<strong>do</strong> a Diogo<br />

Bernar<strong>de</strong>s no «Índice» <strong>do</strong> cancioneiro <strong>do</strong> Padre Pedro ribeiro. O mesmo suce<strong>de</strong> com<br />

outra das obras-primas aqui referidas, excepto que se encontra nesse «Índice» numa<br />

versão diferente: «A terra o Ceo, e o vento assocega<strong>do</strong>». «Ah minha Dinamene, assi<br />

<strong>de</strong>ixaste» surge no mesmo <strong>do</strong>cumento sob a intrigante, hipermétrica e nada camoniana<br />

forma «A minha Filix fermosa, assy <strong>de</strong>ixaste», também atribuída a Bernar<strong>de</strong>s. Por outro<br />

la<strong>do</strong>, é absolutamente necessário ter em conta, como esse «Índice», a generalida<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>s cancioneiros quinhentistas e até as primeiras edições impressas <strong>de</strong>monstram, que<br />

muitos <strong>do</strong>s sonetos elenca<strong>do</strong>s ou transcritos constituem work in progress, ou variantes,<br />

ou ainda testemunhos duma movência que, no panorama <strong>de</strong> produção literária <strong>do</strong><br />

século XVI, não tinha <strong>de</strong> respeitar direitos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> autoral.

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