o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
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224 diAcríticA<br />
tumo <strong>de</strong> Diogo Bernar<strong>de</strong>s, to<strong>do</strong>s eles inseri<strong>do</strong>s ali no que aparenta ser<br />
uma sequência narrativa (constituída por sonetos e canções) inconclusa<br />
ou parcialmente dispersa, 22 e to<strong>do</strong>s eles atribuí<strong>do</strong>s ao mesmo<br />
poeta pelo cancioneiro <strong>de</strong> fernan<strong>de</strong>s tomás. enfim, to<strong>do</strong>s eles, salvo<br />
novas evidências em contrário, poemas <strong>de</strong> Diogo Bernar<strong>de</strong>s que lhe<br />
foram retira<strong>do</strong>s por séculos <strong>de</strong> ten<strong>de</strong>nciosa activida<strong>de</strong> editorial. 23<br />
Mas importa aqui sublinhar o que está em causa na tomada <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cisões, como a <strong>do</strong> parágrafo anterior, sobre a exclusão <strong>do</strong> corpus<br />
poético camoniano. Ao contrário <strong>do</strong> que suce<strong>de</strong> com a teoria <strong>do</strong><br />
cânone mínimo aplicada a Camões por mo<strong>de</strong>rnos padrões filológicos,<br />
a <strong>de</strong>volução da autoria ao poeta <strong>do</strong> Lima não po<strong>de</strong> ser feita com base<br />
na incolumida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s testemunhos nem na incontrovertibilida<strong>de</strong> das<br />
atribuições. É que estas atribuições, no caso <strong>de</strong> quase to<strong>do</strong>s os poetas<br />
líricos portugueses que não se chamavam Camões, foram geralmente<br />
disputadas por uma i<strong>de</strong>ologia pre<strong>do</strong>minante ao longo <strong>de</strong> séculos <strong>de</strong><br />
estu<strong>do</strong> e comentário, uma i<strong>de</strong>ologia, frequentemente disfarçada <strong>de</strong><br />
filologia, que referia o autor d’os lusíadas como autor, <strong>de</strong>finitivo ou<br />
provável, <strong>de</strong> um da<strong>do</strong> poema, relegan<strong>do</strong> para margens estreitas e raras<br />
os sonetos e outros poemas <strong>de</strong> Diogo Bernar<strong>de</strong>s totalmente isentos <strong>de</strong><br />
22 A estudiosa que, em vários artigos, mais e melhor tem investiga<strong>do</strong> a sequencialida<strong>de</strong><br />
da poesia lírica portuguesa <strong>de</strong> quinhentos escreveu que nas flores <strong>do</strong> lima «as<br />
composições são or<strong>de</strong>nadas por núcleos temáticos ou formais, mas à margem duma<br />
estrutura narrativa» (Rita Marnoto, ««Spero trovar pietà, nonché per<strong>do</strong>no». Tradução<br />
e imitação no lirismo português <strong>do</strong> século XVI», critica <strong>de</strong>l testo, VI/2 (2003), p. 850).<br />
Creio, no entanto, que, neste caso particular, existe uma estrutura narrativa parcial, uma<br />
viagem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> uma residência junto ao Tejo até às margens <strong>do</strong> Lima, on<strong>de</strong> se exprime o<br />
distanciamento cada vez maior em relação à amada na corte. estou, portanto, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong><br />
com Carolina Michaëlis <strong>de</strong> Vasconcelos, quan<strong>do</strong> fala <strong>de</strong> «um ciclo» <strong>de</strong> Bernar<strong>de</strong>s sobre<br />
Lisboa e o Tejo, «na volta à sua pátria, Ponte da Barca» (estu<strong>do</strong>s camonianos i: o cancioneiro<br />
fernan<strong>de</strong>s tomás, Coimbra: Imprensa da Universida<strong>de</strong>, 1922, pp. 82, 90 e 93).<br />
23 Num belo ensaio sobre a poesia europeia <strong>do</strong> Renascimento, Richard Helgerson<br />
referiu-se a «Brandas águas <strong>do</strong> Tejo» como um soneto cuja atribuição suscita algumas<br />
dúvidas mas que «strikes a very Camonian note», afirman<strong>do</strong> <strong>de</strong> seguida que outro soneto<br />
português, cujo incipit transcreve como «Doces águas e claras <strong>do</strong> Mon<strong>de</strong>go», é um<br />
soneto camoniano «unquestionably authentic» (A sonnet from carthage. garcilaso <strong>de</strong> la<br />
Vega and the new Poetry of sixteenth-century europe, University of Pennsylvania Press,<br />
Phila<strong>de</strong>lphia, 2007, p. 45). Na verda<strong>de</strong>, não há qualquer razão legítima para atribuir<br />
«Brandas águas <strong>do</strong> Tejo» a ninguém senão Diogo Bernar<strong>de</strong>s, enquanto «Doces águas…<br />
<strong>do</strong> Mon<strong>de</strong>go» é <strong>de</strong> atribuição autoral muito duvi<strong>do</strong>sa e <strong>de</strong> texto extremamente variável<br />
(conhecem-se pelo menos cinco lições textuais diferentes <strong>do</strong> soneto). O exemplo, prove-<br />
niente dum <strong>do</strong>s académicos mundiais melhor informa<strong>do</strong>s na matéria, mostra bem<br />
quanto há ainda a fazer na investigação e divulgação da literatura portuguesa da<br />
chamada «época <strong>de</strong> ouro».