o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
70 diAcríticA<br />
«vem aí o sagra<strong>do</strong>, e tornam-se radiosas as coisas mínimas, / e amadureces»<br />
(566). O aspecto exterior das coisas não favorecerá a harmonia<br />
e a transmutação <strong>do</strong>s elementos, o processo terá o seu início no<br />
interior da obra ou da laranja, como vimos, até amadurecer. Mas, à<br />
caracterização <strong>do</strong> sagra<strong>do</strong>, é acrescenta<strong>do</strong> o atributo da paixão, uma<br />
força interior que <strong>de</strong>spoletará o processo <strong>de</strong> amadurecimento e aperfeiçoamento<br />
<strong>do</strong>s corpos. Por ela se aproximam e misturam as coisas e<br />
as palavras, a sua energia purifica e renomeia a realida<strong>de</strong>: 7 «isto que<br />
às vezes me confere o sagra<strong>do</strong>, quero eu / dizer: paixão: tirar, / pôr,<br />
mudar uma palavra, ou melhor: ficar certo / com a vírgula no meio<br />
da luz» (593).<br />
Neste livro, a paixão exercida sobre a palavra e a atenção facultada<br />
à língua assumem, perante a percepção da ida<strong>de</strong>, uma centralida<strong>de</strong><br />
evi<strong>de</strong>nte. O acto poético passa a representar <strong>de</strong> forma mais<br />
veemente a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ultrapassar e solucionar os limites <strong>do</strong><br />
corpo pessoal. Mas, assim como a paixão que acompanha a criação é<br />
controversa e provoca cisões, assim também «eu, o mun<strong>do</strong> e a língua /<br />
somos um só / <strong>de</strong>sentendimento» (575). O caminho faz-se arduamente<br />
e a harmonização <strong>do</strong>s contrários constitui-se mais como processo e<br />
menos como fim.<br />
e a única técnica é o truque repeti<strong>do</strong> <strong>de</strong> escrever entre o agraz e o lírico,<br />
como com raios <strong>de</strong> lixa,<br />
senta<strong>do</strong> sobre o sangue amarra<strong>do</strong> <strong>do</strong>s testículos,<br />
abrin<strong>do</strong> <strong>do</strong> táctil para o intáctil,<br />
como que às faíscas estilísticas,<br />
um pouco como que ríspi<strong>do</strong>,<br />
como que rútilo,<br />
como que revulsivo,<br />
como que passa<strong>do</strong> <strong>de</strong> passivo para activo,<br />
como ser a obra <strong>de</strong> como que isso,<br />
oh maravilha da frase corrigida pelos erros,<br />
estrela a sair por to<strong>do</strong>s os la<strong>do</strong>s da cabeça <strong>do</strong>en<strong>do</strong> com um brilho <strong>de</strong> pregos,<br />
em nenhum écran <strong>do</strong> Deus <strong>de</strong>scontínuo,<br />
a frase rítmica e restrita que não po<strong>de</strong> ser posta em língua,<br />
elíptica,<br />
a frase <strong>de</strong> que sou filho (602)<br />
7 Desse mo<strong>do</strong> se afasta <strong>do</strong> quotidiano, porque a paixão não permite que a realida<strong>de</strong><br />
permaneça como um espaço comum.