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o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

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282 diAcríticA<br />

Monte supunha. Seria pouco menos que impossível que permanecesse<br />

liga<strong>do</strong> a tal ilusão.<br />

O comportamento indiscreto <strong>de</strong> Mécia vai-a tornan<strong>do</strong> pública aos<br />

olhos <strong>de</strong> Baltazar. Além disso, note-se que, no <strong>de</strong>correr da história, são<br />

várias as ocasiões em que o protagonista se confronta com opiniões<br />

<strong>de</strong>preciativas da filha <strong>de</strong> Lopo <strong>de</strong> Sampaio, por diversas vezes encarada<br />

em função <strong>do</strong>s outros.<br />

No entanto, a luci<strong>de</strong>z que basta ao reconhecimento da assimetria<br />

amorosa não é tanta que consiga afastá-lo <strong>de</strong> Mécia. Ten<strong>do</strong> presente<br />

o que até agora ficou dito sobre a personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mécia, importa<br />

discutir a origem da paixão, convém saber como é que eclodiu o <strong>de</strong>sejo<br />

<strong>de</strong> Baltazar por tal moça, saben<strong>do</strong> que o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> ser e <strong>de</strong> agir da<br />

morgada <strong>de</strong> Ansiães em nada assenta com o emblemático romantismo<br />

<strong>do</strong> fidalgo. O morga<strong>do</strong> <strong>de</strong> Olarias sofreu um processo <strong>de</strong> narcotização.<br />

Não obstante as avisadas admoestações <strong>de</strong> D. José e a <strong>de</strong>speito da<br />

acumulação <strong>de</strong> certos indícios, sucumbe a uma leitura gastronómica<br />

da morgada, a que não é alheia, muito pelo contrário, a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

esta se fazer passar por aquilo que não é. É neste ponto essencial – as<br />

simulações <strong>de</strong> Mécia – que vamos centrar a nossa atenção.<br />

quan<strong>do</strong> o protagonista, acompanha<strong>do</strong> por D. José, apeou no pátio<br />

<strong>do</strong> alcai<strong>de</strong>-mor Francisco <strong>de</strong> Sampaio Melo e Castro, atormenta<strong>do</strong> por<br />

saber que um rival assediava a filha <strong>de</strong> Lopo, conta o narra<strong>do</strong>r que<br />

«Baltazar procurava ler a página <strong>do</strong> céu ou a <strong>do</strong> inferno nos olhos <strong>de</strong><br />

Mécia; a menina, porém, não <strong>de</strong>ixava ler páginas nenhumas nos seus<br />

formosos olhos meio cerra<strong>do</strong>s, tristes e bem postos assim naquela<br />

face, mais <strong>do</strong> que dantes era, pálida e amortecida» (i<strong>de</strong>m, 123-4). em<br />

rigor, o rosto <strong>de</strong> Mécia não se reveste da neutralida<strong>de</strong> que o narra<strong>do</strong>r<br />

assegura. A face apresenta um aspecto sofre<strong>do</strong>r (olhos meio-cerra<strong>do</strong>s,<br />

tristes, face pálida e amortecida) que não passa <strong>de</strong>spercebi<strong>do</strong> a Baltazar<br />

e que lhe basta, ao arrepio <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> o que sabe <strong>de</strong> Mécia e <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> o que<br />

<strong>de</strong>la ouviu dizer, para lhe inflamar a imaginação: «– esta mulher sofre<br />

subjugada pela vonta<strong>de</strong> violenta <strong>do</strong> pai… eu a resgatarei… – disse <strong>de</strong> si<br />

consigo o morga<strong>do</strong> das Olarias» (i<strong>de</strong>m, 124) 5 . esta pequena passagem<br />

<strong>do</strong> cap. XIV é bem significativa. Mostra que o herói não sabe resistir<br />

aos sinais exteriores da filha <strong>de</strong> Lopo. Não foi preciso mais <strong>do</strong> que<br />

ver-lhe um semblante sofre<strong>do</strong>r para fazer tábua rasa <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> o que<br />

5 Como diria, muito a propósito, René Girard: «Le comportement <strong>de</strong>s hommes est<br />

déterminé non par ce qui s’est réellement passé mais par l’interprétation <strong>de</strong> ce qui s’est<br />

passé» (Girard, 1978: 106).

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