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o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

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singulAridA<strong>de</strong>s <strong>de</strong> umA moçA e nArcotizAção <strong>do</strong> Herói<br />

287<br />

sobreposição <strong>de</strong> Mécia às fidalgas da capital: se umas páginas antes,<br />

na voz <strong>de</strong> D. José, a beleza <strong>de</strong> Mécia se distinguia das primas feias<br />

<strong>de</strong> Lisboa, agora, a morgada <strong>de</strong> Ansiães <strong>de</strong> novo contrasta com as<br />

mulheres da capital, já que para contentamento <strong>do</strong> <strong>de</strong>stempera<strong>do</strong><br />

fidalgo <strong>de</strong> Alijó, as damas <strong>de</strong> Lisboa apreciam exaltadas o espectáculo<br />

tauromáquico. A observação que se impõe aqui e que interessa reter é<br />

que o frontal <strong>de</strong>salinho <strong>de</strong> Mécia com as damas lisboetas aficionadas<br />

<strong>de</strong> corridas <strong>de</strong> touros, ou melhor, a maneira como esse <strong>de</strong>salinho se<br />

exprime («que corações!») faz passar o me<strong>do</strong> irreprimível que sente<br />

diante da morte <strong>de</strong> animais por uma questão que a diferencia <strong>do</strong>s<br />

outros no tocante ao coração, por muito que, imediatamente a seguir,<br />

se reporte ao estranho e sintomático efeito que lhe <strong>de</strong>sperta a morte<br />

<strong>de</strong> frangos.<br />

Veja-se agora a parte final <strong>do</strong> diálogo que a morgada manteve<br />

com Baltazar no Bom Jesus, «sentada num fofo <strong>de</strong> relva» (i<strong>de</strong>m, 78), e<br />

que correspon<strong>de</strong> à confirmação ilusória, por parte <strong>do</strong> fidalgo, <strong>do</strong> amor<br />

<strong>de</strong> Mécia e à certeza, quanto a nós leitores, <strong>de</strong> que jamais o amará. Por<br />

mais que o idílio <strong>do</strong> cenário e a ocasião <strong>de</strong> Baltazar e Mécia estarem<br />

sós frente a frente possa funcionar como indício <strong>de</strong> contextualização 7<br />

<strong>de</strong> que estará implica<strong>do</strong> o discurso amoroso, a verda<strong>de</strong> é que a filha<br />

<strong>de</strong> Lopo <strong>de</strong> Sampaio praticamente nada diz, limitan<strong>do</strong>-se ao mínimo<br />

possível; na última <strong>de</strong>ixa não tem mesmo outra alternativa senão <strong>de</strong>ixar<br />

Baltazar sem resposta. Verifica-se uma discrepância notória entre o<br />

entusiasmo <strong>de</strong> Baltazar, que se precipita a ler nas respostas <strong>de</strong> Mécia<br />

uma receptivida<strong>de</strong> amorosa, e a falta, que não seria <strong>de</strong> prever num<br />

coração toma<strong>do</strong> pela sensação <strong>de</strong> amar, <strong>de</strong> arrebatamento emocional<br />

<strong>de</strong>nunciada nas frases curtíssimas e suspensas <strong>de</strong> Mécia. A moça<br />

evi<strong>de</strong>ncia uma insuficiência <strong>de</strong>monstrativa não apenas ao nível da formulação<br />

verbal <strong>do</strong>s seus sentimentos mas também ao nível <strong>do</strong> acompanhamento<br />

expressivo <strong>do</strong>s mesmos. Não reforça as falas, o pouco<br />

que diz, com traços <strong>de</strong>clara<strong>do</strong>res da autenticida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse dito. Ou seja,<br />

não temos, da parte <strong>de</strong> Mécia, uma experiência emocional convergente<br />

com as respostas lacónicas que fornece (como seria o traço expressivo<br />

<strong>do</strong> «rubor» das faces). está longe <strong>de</strong> provar um sentimento amoroso<br />

sincero. Pressente-se que o morga<strong>do</strong> entrou drasticamente na corrente<br />

<strong>de</strong> uma inclinação irreversível por Mécia. e constata-se que esta,<br />

<strong>conto</strong>rnan<strong>do</strong> o compromisso, não resiste à tentação <strong>de</strong> promover e<br />

7 Vi<strong>de</strong> Maingueneau, 1996: 59-60

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