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o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

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312 diAcríticA<br />

De um mo<strong>do</strong> muito superficial, diria que o imaginário lírico neste 1.º volume,<br />

um imaginário suporta<strong>do</strong> por uma confluência forte <strong>de</strong> imagens e metáforas,<br />

embora não inesperadas nem fulgurantes, assenta em temas que não diferem consi<strong>de</strong>ravelmente<br />

das temáticas narrativas. Temos, entre outras opções temáticas e<br />

tendências semânticas <strong>do</strong>minantes, a incidência da memória, a infância, qual É<strong>de</strong>n,<br />

como lugar eleva<strong>do</strong> à condição mítica <strong>de</strong> espaço irrecuperável, a prepon<strong>de</strong>rante<br />

expressão <strong>de</strong> uma interiorida<strong>de</strong> sofrida, a presença alargada da matéria religiosa e<br />

mítica (e, quiçá, mística). e diga-se, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, que a modulação lírica <strong>de</strong>stes núcleos<br />

semânticos não resulta em nenhum enfatuamento literário, antes numa criação<br />

verbal que não tem nada – absolutamente nada – <strong>de</strong> naco poético e que tem tu<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> obra substancial e merece<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> viva e cuidada atenção por parte da crítica.<br />

Na impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abarcar to<strong>do</strong>s os títulos recolhi<strong>do</strong>s neste 1.º volume,<br />

vejamos, e muito sucintamente, caixa <strong>de</strong> música, um <strong>do</strong>s livros póstumos agora<br />

antologia<strong>do</strong>s. A antece<strong>de</strong>r os poemas, o leitor <strong>de</strong>para com duas epígrafes (<strong>do</strong>is<br />

epitáfios) que inscrevem o texto sob o signo <strong>de</strong> um pathos trágico: o drástico e<br />

inexorável sofrimento <strong>do</strong> sujeito. A primeira epígrafe provém <strong>de</strong> uma conhecida<br />

passagem <strong>de</strong> Albert Camus e convoca a danação <strong>de</strong> Sísifo (o trabalho força<strong>do</strong>,<br />

inútil e sem a mínima esperança): «Les dieux avaient condamné Sisyphe à rouler<br />

sans cesser un rocher jusqu’au somet d’une montagne d’où la pierre retombait par<br />

son propre poids. Ils avaient pensé qu’il n’est pas <strong>de</strong> punition plus terrible que le<br />

travail inutile et sans espoir» (p. 297); a segunda, respon<strong>de</strong>, num francês que não<br />

<strong>de</strong>smerece o <strong>de</strong> Camus, nestes termos à primeira: «et, pourtant, il-y-a une plus<br />

terrible punition. Celle <strong>de</strong> la soufrance inutile et sans espoir» (ibid.). esta segunda<br />

epígrafe, assinada «eu», parece obe<strong>de</strong>cer a <strong>do</strong>is propósitos. em primeiro lugar,<br />

vem dizer que o centro da criação poético resi<strong>de</strong> na expressão subjectiva <strong>de</strong> uma<br />

interiorida<strong>de</strong>, ou seja, poema a poema, ace<strong>de</strong>mos à contemplação da alma <strong>do</strong><br />

poeta. O eu, com a sua inerente carga <strong>de</strong> subjectivida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>tém uma presença tão<br />

avassala<strong>do</strong>ra que o discurso poético nem seria sequer possível na sua ausência,<br />

uma vez que se nutre quase exclusivamente da sua presença. A poesia <strong>de</strong> TF é,<br />

não sofre dúvida, uma poesia completamente subordinada à missão <strong>de</strong> dar voz<br />

a uma subjectivida<strong>de</strong> íntima (ou se quisermos, à mitologia <strong>do</strong> poeta) e das suas<br />

vivências existenciais, quan<strong>do</strong> não metafísicas. De resto, em gran<strong>de</strong> porção <strong>do</strong>s<br />

poemas <strong>de</strong> caixa <strong>de</strong> música, os que mais evi<strong>de</strong>nciam uma ín<strong>do</strong>le reflexiva em torno<br />

<strong>do</strong> sujeito, ainda que tremendamente marcada por um feroz pessimismo e um não<br />

menos feroz senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> trágico, não é <strong>de</strong>scartável uma eventual leitura <strong>de</strong> orientação<br />

existencialista, apesar <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>sses poemas ganharem um fôlego notório<br />

no tocante a imagens <strong>de</strong> veia romântica (como veremos adiante com as imagens<br />

da danação que enquadram o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> vários sonetos) 1 . em segun<strong>do</strong> lugar, este<br />

1 Também é possível, refira-se, efectuar uma leitura – talvez quiçá a mais ajustada<br />

<strong>de</strong> todas – assente na biografia <strong>do</strong> poeta. De facto, convém ter presente que os poemas<br />

<strong>de</strong> caixa <strong>de</strong> música, a revelarem um esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> alma próximo daquele que atravessa as<br />

páginas <strong>de</strong> «Túnica <strong>de</strong> Nesso» (monólogo em elsenor ii, Lisboa: IN-CM, 2007, pp. 9-75),<br />

foram redigi<strong>do</strong>s num perío<strong>do</strong> em que TF pa<strong>de</strong>cia <strong>de</strong> neurastenia. O pessimismo tremen<strong>do</strong><br />

que salta à vista praticamente em todas as páginas <strong>do</strong> livro parece reflectir a <strong>do</strong>ença<br />

(como se esta exigisse expressão lírica). Noutros livros <strong>de</strong> poesia, para não falar na prosa,

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