15.04.2013 Views

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

A FACA NÃO CORTA O FOGO: conteXtos Poéticos <strong>de</strong> umA biogrAfiA<br />

Persiste a <strong>do</strong>r que acompanha e se i<strong>de</strong>ntifica com o acto poético<br />

assim como o fogo que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre, foi um <strong>do</strong>s elementos primordiais<br />

da poética herbertiana. esta construção situa-se, para lá <strong>do</strong><br />

corpo, na «alma das palavras» e aí se espera pela <strong>de</strong>voração total, pela<br />

interiorização, pela harmonização <strong>do</strong> visível e <strong>do</strong> invisível, como vimos<br />

noutro momento. A morte <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> assumir a centralida<strong>de</strong> que lemos<br />

atrás e passa a ser incorporada no acto cria<strong>do</strong>r, absorvida como esta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>puração necessária. Afinal, para lá da morte, preparada tão atenta<br />

e persistentemente pelo poeta, existe uma realida<strong>de</strong> que a ultrapassa e<br />

que <strong>de</strong> imediato foi evi<strong>de</strong>nciada e concretizada na imagem <strong>do</strong> «redivivo»,<br />

último verso <strong>do</strong> poema. 9 A perenida<strong>de</strong> da palavra é sugerida<br />

pela perspectiva cíclica <strong>de</strong> «redivivo» <strong>do</strong> último verso <strong>do</strong> antepenúltimo<br />

poema, conforme referimos, e é reforçada pelo penúltimo poema<br />

<strong>do</strong> livro. As suas construções sinestésicas, conseguidas num espaço<br />

<strong>de</strong> culto (talha <strong>do</strong>urada <strong>do</strong> estilo barroco), sugerem a amálgama que<br />

<strong>de</strong>fine a fase a negro <strong>do</strong> processo alquímico e preparam o ambiente<br />

necessário para que, pela combinação <strong>do</strong>s elementos, se torne possível<br />

a purificação e a reiniciação.<br />

talha, e as volutas queimam os olhos quan<strong>do</strong> se escuta,<br />

ma<strong>de</strong>ira floral suada alto,<br />

que música,<br />

que Deus bêba<strong>do</strong>,<br />

e a luz se fosse irrefutável,<br />

se <strong>de</strong> madura lavrasse a fruta vara a vara,<br />

e a frase pensasse na boca,<br />

se eu pu<strong>de</strong>sse,<br />

com os joelhos junto à cabeça e os cotovelos junto ao sexo,<br />

intenso ao ponto <strong>de</strong> faiscar no escuro,<br />

mas não me lembra a música (618)<br />

No entanto, as construções condicionais combinadas com o<br />

pretérito imperfeito <strong>do</strong> conjuntivo, a meio <strong>do</strong> poema, reduzem a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> renascer sugerida pela posição fetal <strong>do</strong> corpo que espera e<br />

prepara a transição para o nascimento, «com os joelhos junto à cabeça<br />

e os cotovelos junto ao sexo». A música que acompanhava a mistura<br />

<strong>do</strong>s elementos e facilitava a transmutação da matéria e <strong>do</strong> espírito<br />

falta no último momento não permitin<strong>do</strong> que se conclua o processo <strong>de</strong><br />

transformação <strong>de</strong> que era objecto o poeta ou a palavra.<br />

9 «Redivivo» surge ainda num outro poema anterior (cf. 595-596) que, entre-<br />

tanto, foi publica<strong>do</strong> como inédito em ou o poema contínuo: súmula (cf. Hel<strong>de</strong>r, 2001:<br />

124-126).<br />

73

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!