o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
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o NONSeNSe que fAz senti<strong>do</strong>(s)<br />
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vira inevitavelmente, «queiman<strong>do</strong> os tempos» e «alteran<strong>do</strong> os mo<strong>do</strong>s»,<br />
tornan<strong>do</strong>-nos «peças móveis» para quem não é seguro «apostar» nem<br />
«viver no futuro»:<br />
• Cal viva queima os tempos e altera os mo<strong>do</strong>s; ar<strong>de</strong> aqui tão perto;<br />
torna-nos peças móveis (…)<br />
Virada a ampulheta a areia ficou tão vidrada<br />
que tempos, quem altera os mo<strong>do</strong>s, ar<strong>de</strong> aqui tão perto,<br />
torna-nos peças móveis por aqui<br />
Inverten<strong>do</strong> o passa<strong>do</strong>, viven<strong>do</strong> o futuro, pensou-se o presente,<br />
apostar seguro<br />
Seguin<strong>do</strong> o presente, passa<strong>do</strong> obscuro, vazio <strong>de</strong> areia,<br />
talvez um furo,<br />
Vazou, caiu, virou?<br />
(«1991», in Valsa <strong>do</strong>s <strong>de</strong>tectives, 1989)<br />
Se é mais certo o amanhã estar «perdi<strong>do</strong>» <strong>do</strong> que o passa<strong>do</strong> ser<br />
«inverti<strong>do</strong>» ou recupera<strong>do</strong>, também parece ser verda<strong>de</strong> que tu<strong>do</strong> é<br />
cíclico e se mantém, mau-gra<strong>do</strong> a aparência <strong>de</strong> mudança. É a constatação<br />
<strong>do</strong> «eterno retorno», epítome da reflexão sobre a marcha <strong>do</strong><br />
tempo e a passagem da vida:<br />
•<br />
Num eterno retorno volta tu<strong>do</strong> ao mesmo lugar<br />
e se há sempre pão no forno nunca há tempo para rezar<br />
(«Jardim D’Alá-Walkin’», in Valsa <strong>do</strong>s <strong>de</strong>tectives, 1989)<br />
Com eterno retorno ou sem ele, o facto é que o autor parece estar<br />
bem ciente <strong>de</strong> que o princípio não se aplica ao indivíduo mas ao to<strong>do</strong>:<br />
• Não vou ressuscitar<br />
Abrir os olhos noutro lugar<br />
Hummmm. Hei-<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r<br />
O direito <strong>de</strong> morrer<br />
e cavar o fosso no altar<br />
(«Música ligeira», in sob escuta, 1994)<br />
A consciência da morte, solidão suprema, parece <strong>de</strong>spertar tam-<br />
bém, reactivamente, o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> humor – humor negro, bem entendi<strong>do</strong>.<br />
«Bellevue» mostra uma encenação macabra, recheada <strong>de</strong> lugares-<br />
-comuns <strong>do</strong>s filmes <strong>de</strong> terror classe B, como o próprio narra<strong>do</strong>r esclarece<br />
no final da canção (cf. «era só para brincar ao cinema negro»).<br />
Nela aparece o autor na pele <strong>de</strong> um assassino treslouca<strong>do</strong> que, após<br />
enterrar os amigos no jardim, faz esgares ao espelho e contempla<br />
cruelmente a cama ensanguentada. Finda a fúria homicida, constata