o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
58 diAcríticA<br />
A consciência <strong>de</strong> habitarmos um universo on<strong>de</strong> os vivos não<br />
estão sozinhos, tão característica <strong>do</strong> pensamento místico, integra-se em<br />
<strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r na consciência <strong>de</strong> se articular <strong>de</strong>ntro da integrida<strong>de</strong><br />
psíquica <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> muito vasta (Magalhães, 1989: 130-1).<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong>sta «comunida<strong>de</strong> muito vasta», <strong>Herberto</strong><br />
Hel<strong>de</strong>r não só ilumina zonas obscuras da cultura europeia e em particular<br />
da cultura portuguesa, mas também está empenha<strong>do</strong> em manifestar<br />
a visibilida<strong>de</strong> da distância e <strong>do</strong> silêncio entre diferentes culturas,<br />
não os apagan<strong>do</strong>. estas inesperadas formas <strong>de</strong> intertextualida<strong>de</strong> sublinham<br />
ainda aquilo que po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>signar como falta <strong>de</strong> acultu-<br />
ração, na medida em que esta pressupõe, como vimos, alguma forma<br />
<strong>de</strong> cristalização <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> convenções. Ao jogar com as<br />
noções <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>; ao agrupar e or<strong>de</strong>nar<br />
o que continua <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>; ao pôr em conjunto fragmentos <strong>de</strong>scontextualiza<strong>do</strong>s<br />
<strong>de</strong> obras diversíssimas, provenientes <strong>de</strong> diferentes literaturas<br />
e culturas; ao sobrepor e cruzar alta cultura (tradições religiosas,<br />
eruditas, literárias) e cultura oral e popular, <strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r subscreve<br />
uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> poesia mundial que não é <strong>de</strong> to<strong>do</strong> alheia ao seu conceito<br />
<strong>de</strong> poesia pessoal: ele publica «a sua» poesia e «os seus» livros ao la<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong>stes, e num certo senti<strong>do</strong>, mesmo quan<strong>do</strong> os exclui <strong>de</strong> uma «poesia<br />
toda», torna-os seus 4 . Ao justapor o poeta polaco Zbigniew aos rituais<br />
e preces Maias, ou a um texto mítico <strong>do</strong>s índios Caxinauá da Amazónia<br />
(ouolof); ao apresentar o poema «Israfel» em versões <strong>de</strong> Poe, Mallarmé<br />
e Artaud, antes <strong>de</strong> o apresentar «muda<strong>do</strong> para Português» por <strong>Herberto</strong><br />
Hel<strong>de</strong>r (<strong>do</strong>ze nós numa corda); ao publicar poemas <strong>de</strong> ernesto<br />
Car<strong>de</strong>nal ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> antigos poemas <strong>do</strong>s Aztecas ou <strong>de</strong> canções <strong>do</strong>s<br />
quíchuas, <strong>Herberto</strong> continua, em 1997, o pronunciamento <strong>de</strong> 1968<br />
que citei, quan<strong>do</strong> apresentou poemas <strong>do</strong> Antigo egipto a ler em<br />
conjunto com fragmentos <strong>do</strong> Antigo Testamento, e colocou enigmas<br />
maias ou aztecas ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> poemas arábico-andaluzes. e mesmo<br />
<strong>de</strong>pois, na poesia que não é apenas «mudada por si» (ou talvez sim),<br />
são inúmeros os lugares <strong>de</strong> atestação <strong>de</strong>ssa «antropofagia» que o leva<br />
a ir ao diferente para po<strong>de</strong>r encontrar «erros felizes»: os trova<strong>do</strong>res<br />
provençais em A faca não corta o fogo (2008) ou as quadras populares<br />
e Hesío<strong>do</strong> em Última ciência (1988) são apenas <strong>do</strong>is exemplos<br />
possíveis, mas muitos haverá.<br />
4 <strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r não é o único a fazer isto. Joaquim Manuel Magalhães, por<br />
exemplo, em vários livros seus oferece a seguinte significativa arrumação <strong>do</strong>s títulos que<br />
publicou: Poesia; Sobre Poesia; Tradução <strong>de</strong> Poesia. To<strong>do</strong>s eles subsumi<strong>do</strong>s pela indicação<br />
«Do Autor».