o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
o NONSeNSe que fAz senti<strong>do</strong>(s)<br />
249<br />
mia ‘social / individual’ alimenta gran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong>s motivos que aí recorrem.<br />
Antes <strong>de</strong> mais, o olhar sobre o outro assume frequentemente um<br />
pen<strong>do</strong>r plural, <strong>de</strong> classificação e compartimentação da «fauna» que<br />
cerca o autor, o qual atentamente observa, num zelo <strong>de</strong> biólogo. em<br />
«Nova Gente», por exemplo, este labor <strong>de</strong> Lineu <strong>de</strong>para comicamente<br />
com uma triste escassez <strong>de</strong> espécies – afinal, em bom vernáculo, «é<br />
tu<strong>do</strong> a mesma cal<strong>de</strong>irada», ou não fosse o título da canção o <strong>de</strong> uma<br />
revista <strong>de</strong> mexerico social:<br />
• Vivo numa ilha sem sabor tropical<br />
A fauna é variada, <strong>de</strong>mografia aci<strong>de</strong>ntal<br />
Não é <strong>de</strong> origem elevada difícil <strong>de</strong> recensear (…)<br />
Cá não há candidato à autarquia local<br />
Só orgulho analfabeto mas com cultura geral<br />
É tu<strong>do</strong> a mesma fruta, a mesma cal<strong>de</strong>irada<br />
É uma gente educada, é a anarquia total<br />
(«Nova gente», in Psicopátria, 1986)<br />
A crítica à pobreza cultural, intelectual e política <strong>do</strong> meio social<br />
surge bem expressa na imagem da «ilha», que transmite a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
um certo atraso nacional (e regional 10 ) ao mesmo tempo que <strong>de</strong>nota<br />
a consciência <strong>do</strong> isolamento <strong>do</strong> eu. Também em «Desnortea<strong>do</strong>», o<br />
sujeito poético retrata negativamente a socieda<strong>de</strong> como um confronto<br />
entre vítimas e algozes, presas e preda<strong>do</strong>res, na qual o indivíduo sadio<br />
fica naturalmente contamina<strong>do</strong>. A metáfora <strong>do</strong> fruto são entre frutos<br />
podres completa o <strong>conto</strong>rno simbólico da canção:<br />
• Começo este estranho jogo, lanço um da<strong>do</strong><br />
em que um faz <strong>de</strong> <strong>de</strong>funto e outro <strong>de</strong> solda<strong>do</strong><br />
Um faz <strong>de</strong> ladrão e outro <strong>de</strong> advoga<strong>do</strong><br />
Um empunha a cruz e outro o macha<strong>do</strong><br />
É natural que eu me sinta <strong>de</strong>snortea<strong>do</strong><br />
No meio <strong>de</strong> tanta fruta podre contagia<strong>do</strong><br />
(«Desnortea<strong>do</strong>», in <strong>de</strong>feitos especiais, 1984)<br />
esta percepção da individualida<strong>de</strong> face à turba que em re<strong>do</strong>r se<br />
agita é motora <strong>de</strong> muitas variações temáticas. Numa das faixas <strong>de</strong><br />
pen<strong>do</strong>r mais confessional <strong>de</strong> Reininho, significativamente intitulada<br />
«Impressões digitais» (já acima referida), o uso <strong>de</strong> verbos como sinto<br />
10 esta acepção da imagem da ilha está bem patente numa entrevista em que<br />
Reininho afirma: «O Porto já é uma cida<strong>de</strong> otizada [cf. aeroporto da Ota] e ostracizada.<br />
É terrível <strong>de</strong>morar 12 horas para viajar da ilha <strong>de</strong> S. Jorge até à ilha <strong>do</strong> Porto» (cf. Silva,<br />
2007).