15.04.2013 Views

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

192 diAcríticA<br />

nais. Por exemplo, a ironia, muitas vezes transformada em sarcasmo,<br />

é amplamente utilizada ao serviço <strong>do</strong> código histórico para parodiar o<br />

sistema colonial. De facto, o autor recorre ao humor e à caricatura para<br />

<strong>de</strong>screver a prepotência <strong>do</strong> coloniza<strong>do</strong>r e mesmo a sujeição <strong>do</strong> coloniza<strong>do</strong><br />

(«Mélé<strong>do</strong>uman savait par expérience ce qu’«aller au cercle» veut<br />

dire dans cette «encerclée» colonie», p. 3). Num outro passo, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong><br />

transparecer sentimentos <strong>de</strong> revolta e inconformismo face às atitu<strong>de</strong>s<br />

<strong>do</strong> comandante <strong>de</strong> círculo e <strong>do</strong> seu companheiro, o narra<strong>do</strong>r comenta<br />

ironicamente a figura que faz o comandante ao bater selvaticamente<br />

no protagonista chaman<strong>do</strong>-o <strong>de</strong> «pauvre arlequin» e <strong>de</strong> «pauvre<br />

pantin» («qui essayait tant bien que mal <strong>de</strong> jouer un rôle injouable.<br />

et qui le jouait avec un talent tragicomique, un talent furieux, comme<br />

les fréquentes bastonna<strong>de</strong>s en témoignent», p. 5).<br />

Uma outra inovação que surge no texto diz respeito à re-enunciação<br />

<strong>do</strong>s processos linguístico-estilísticos próprios da literatura oral<br />

agni (abundância <strong>de</strong> interrogações, elipses, redundâncias, justaposições,<br />

comparações, imagens e ironias). De facto, la carte d’i<strong>de</strong>ntité<br />

comunga <strong>do</strong>s mesmos princípios retóricos da oratura africana pela<br />

verbosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas passagens, pelo estilo torrencial, pelas<br />

enumerações, paralelismos, imagética, solilóquios e interrogativida<strong>de</strong>.<br />

A obra evi<strong>de</strong>ncia, ainda, reminiscências <strong>do</strong>s <strong>conto</strong>s africanos, genericamente<br />

híbri<strong>do</strong>s, através da integração na narrativa <strong>de</strong> provérbios 13 ,<br />

poemas ou canções 14 , lendas (a da rainha Pokou e a <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> rei <strong>de</strong><br />

Bettié) e <strong>do</strong> maravilhoso (as ca<strong>de</strong>iras que se transformam, a casa que<br />

se <strong>de</strong>sloca).<br />

A ida <strong>do</strong> protagonista à escola à procura <strong>do</strong> bilhete <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>,<br />

por ter lá esta<strong>do</strong> numa festa, constitui uma estratégia narrativa<br />

que permite <strong>de</strong>screver o méto<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong> nos estabelecimentos <strong>de</strong><br />

ensino primário para impor a língua da metrópole aos coloniza<strong>do</strong>s:<br />

os alunos que fossem apanha<strong>do</strong>s a falar o próprio idioma usariam um<br />

colar como castigo («le symbole»), <strong>do</strong> qual só se libertariam quan<strong>do</strong><br />

13 Por exemplo: «Celui qui est tombé dans l’eau n’a plus peur <strong>de</strong> la pluie» (p. 5); «Le<br />

poulailler est un palais <strong>do</strong>ré pour le coq malgré la puanteur <strong>de</strong>s lieux» (p. 6); «Une tête<br />

est une case; <strong>de</strong>ux têtes sont un village» (p. 103).<br />

14 la carte d’i<strong>de</strong>ntité, pp. 61-65, 113-116, 159. Sobre as canções nos <strong>conto</strong>s agni,<br />

vejam-se os resulta<strong>do</strong>s da pesquisa <strong>de</strong> Marius Ano N’Guessan, 1988, p. 23: «Puis se<br />

déroule le récit proprement dit comprenant presque toujours une ou plusieurs chansons<br />

illustrant telle ou telle séquence (...). Dans le conte, la chanson, en général, revêt<br />

plusieurs formes: tantôt complainte (quelques fois exécutée en solo par le conteur ou en<br />

choeur, elle est plus souvent responsoriable), tantôt vive et joyeuse, tantôt langoureuse,<br />

voire poignante dans la nuit noire».

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!