15.04.2013 Views

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

136 diAcríticA<br />

os humanos reconhecem um limite (antropológico) na sua capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> agir, mesmo se esse limite radica numa incompatibilida<strong>de</strong> entre as<br />

proprieda<strong>de</strong>s físicas da faca e <strong>do</strong> fogo.<br />

A frase-título que <strong>Herberto</strong> extrai <strong>do</strong> provérbio eli<strong>de</strong> a impossibilida<strong>de</strong><br />

antropológica e o ecrã enunciativo que ela antepõe ao enuncia<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>ssa sabe<strong>do</strong>ria que vem da experiência. Graças a essa elisão<br />

(a substituição <strong>de</strong> não se po<strong>de</strong> cortar por a faca não corta), a faca e o<br />

fogo tornam-se os protagonistas directos <strong>de</strong>sse fracasso <strong>de</strong> uma acção,<br />

os actores práticos e rituais, míticos e mágicos, <strong>de</strong>ssa cena <strong>de</strong> um não.<br />

O título passa assim a dizer essa experiência, nova e surpreen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

cada vez que acontece, <strong>de</strong> uma mútua inconveniência física, elementar,<br />

primordial ou arcaica. Por isso, o poema (167) que retoma o título <strong>do</strong><br />

livro como seu primeiro verso acrescenta outro elemento, a água, e o<br />

flui<strong>do</strong> vital, o sangue aqui transforma<strong>do</strong> na tinta com que se escreve,<br />

ou sobre a qual se escreve<br />

A faca não corta o fogo<br />

Não me corta o sangue escrito<br />

Não corta a água<br />

e no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> poema, glosa-se essa dança <strong>do</strong>s elementos<br />

e essa gramática <strong>do</strong> verbo cortar «…conjugan<strong>do</strong> / on<strong>de</strong> os verbos<br />

não conjugam, / no mun<strong>do</strong> há poucos fenómenos <strong>do</strong> fogo / água há<br />

pouca, […] porque no mun<strong>do</strong> há pouco fogo a cortar / e a água cortada<br />

é pouca».<br />

Na recepção crítica <strong>do</strong> livro, uma das questões que se esboçaram<br />

foi a <strong>de</strong> saber em que medida ele se situava em relação ao horizonte <strong>de</strong><br />

expectativas forma<strong>do</strong> pelo conjunto da obra poética <strong>do</strong> seu autor, ou<br />

seja, seria um livro que apenas (?!) confirmava o que julgávamos saber<br />

da força <strong>de</strong> que a sua poesia dá testemunho, ou seria um livro que<br />

<strong>de</strong> algum mo<strong>do</strong> excedia esse horizonte. Usan<strong>do</strong> os termos da nota <strong>de</strong><br />

abertura <strong>do</strong> livro <strong>de</strong> 2001, seria este livro redundante, ou alguma coisa<br />

nele o distinguia, ao mesmo tempo que lhe permitia assegurar aquela<br />

continuida<strong>de</strong> que fazia <strong>de</strong> «poesia toda» um «poema contínuo»?<br />

O facto <strong>de</strong> haver um silêncio <strong>de</strong> quase 14 anos a separar a publicação<br />

<strong>de</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e a da componente inédita <strong>de</strong> A faca não corta<br />

o fogo aguçava a curiosida<strong>de</strong> e emprestava verosimilhança àquela<br />

questão que condicionava a leitura. essa questão que a recepção crítica<br />

se colocou é, entretanto, antecipada figuralmente <strong>do</strong> la<strong>do</strong> da escrita.<br />

Num poema que po<strong>de</strong> ser li<strong>do</strong> como uma clara figuração autoral,<br />

o poeta enquanto arqueiro enfrenta o que <strong>de</strong>signaremos algo informal-

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!