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o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

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o sombrio trAbAlHo dA belezA<br />

audível 10 . A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> teatralida<strong>de</strong> ou, mais exactamente, <strong>de</strong> teatrali-<br />

zação ocorreria também a Manuel <strong>de</strong> Freitas ao discorrer sobre certos<br />

incompatíveis na «exposição» da «intimida<strong>de</strong>» (suposta) em Apresentação<br />

<strong>do</strong> rosto (2001: 39). e a convocação da imagem cinematográfica<br />

surgir-lhe-á, coinci<strong>de</strong>ntemente, logo a seguir, em pon<strong>de</strong>ração acerca<br />

da tactilida<strong>de</strong> viscosa <strong>do</strong> memorialismo onírico <strong>do</strong> livro:<br />

Uma outra retórica da intimida<strong>de</strong>, talvez menos «compromete<strong>do</strong>ra»,<br />

po<strong>de</strong> ser encontrada nas várias <strong>de</strong>scrições oníricas (e não necessariamente<br />

«surrealistas») que parecem ampliar e prever, respectivamente,<br />

a estética <strong>do</strong> pesa<strong>de</strong>lo em Bergman e David Lynch. Mas o cerne <strong>de</strong>stas<br />

visões viscosas (e estranhamente lúcidas no seio <strong>do</strong> terror) <strong>de</strong>ve ser<br />

procura<strong>do</strong> em memórias <strong>de</strong> infância e no que nestas possa haver <strong>de</strong><br />

monstruoso e <strong>de</strong>smesura<strong>do</strong> (id.: 40.)<br />

Não sei se «<strong>de</strong>scrição» ou «onírico», a par <strong>de</strong> «surrealista», serão<br />

os termos mais justos para nomearmos a obliquida<strong>de</strong> pouco nomeável<br />

da sugestão auto-retratística em Ar. De momento, interessam-me<br />

sobretu<strong>do</strong> as referências à substância <strong>de</strong>sta escrita: à sua cenografia,<br />

à matericida<strong>de</strong> invocada, à viscosida<strong>de</strong>, ao mo<strong>do</strong> como inscreve o<br />

tempo. São muito idênticos os termos com que Mieke Bal, no seu<br />

assinalável excurso crítico sobre o barroco contemporâneo, se refere<br />

a uma particular qualida<strong>de</strong> das imagens barrocas no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> envolverem<br />

o observa<strong>do</strong>r numa experiência intercorporal <strong>do</strong> tempo: «“sticky<br />

images”: images that hold the viewer, enforcing an experience of temporal<br />

variation» (Bal, 1999: 166). Na sua interpretação da poética<br />

barroca, Bal insistirá na importância <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista e na co-<strong>de</strong>pendência<br />

que por ele se instaura entre sujeito e objecto, <strong>de</strong> sorte que a<br />

uma clássica relação <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> <strong>do</strong> primeiro sobre o segun<strong>do</strong> se<br />

substitui um nexo <strong>de</strong> correlativida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> transformações correlativas<br />

entre os <strong>do</strong>is pólos abrangi<strong>do</strong>s no contacto perspéctico. O que vem a<br />

confirmar, por um la<strong>do</strong>, a in<strong>de</strong>xalida<strong>de</strong> essencial da imagem barroca, a<br />

sua po<strong>de</strong>rosa propensão <strong>de</strong>íctica, notavelmente observada por Marin,<br />

em 77, a respeito <strong>de</strong> Caravaggio (cf. Marin, 2008); por outro la<strong>do</strong>, a<br />

erotização evi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> ofício <strong>do</strong> olho e <strong>do</strong> olhar. As «visões viscosas»<br />

assinaladas por Freitas sugerem um toque reflexo, uma a<strong>de</strong>rência <strong>de</strong><br />

10 Sobre o texto herbertiano têm alguns críticos arrisca<strong>do</strong> comparações musicais:<br />

Joaquim Manuel Magalhães evoca Philip Glass e Steve Reich (Magalhães, 1989: 128),<br />

Manuel <strong>de</strong> Freitas, o álbum three Voices for Joan la barbara <strong>de</strong> Morton Feldman (Freitas,<br />

2001: 30). Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser curioso notar a contemporaneida<strong>de</strong> radical <strong>do</strong> intertexto<br />

musical, e artístico, preferencialmente selecciona<strong>do</strong> pela leitura crítica <strong>de</strong> H.H.<br />

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