o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
<strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r: o PoemA contínuo nA PrimeirA décAdA <strong>de</strong> 2.º milénio<br />
131<br />
ções pessoais <strong>do</strong> idioma». Mas o contínuo <strong>do</strong> título vale ainda <strong>de</strong> outra<br />
maneira: significa também algo como continuamente vibrante; ou<br />
que, uma vez excluí<strong>do</strong> o que o autor terá consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> redundante ou<br />
menos luminoso, torna-se contínua a corrente da energueia, vibran<strong>do</strong><br />
à mesma altura ou intensida<strong>de</strong>.<br />
este poema existe em relação <strong>de</strong> congenialida<strong>de</strong> com o to<strong>do</strong> da<br />
obra. A nota que abre o livro diz isso ao referir-se «ao poema contínuo<br />
pelo autor chama<strong>do</strong> poesia toda». entretanto, ele nasce <strong>de</strong>la e<br />
em retorno age sobre ela. É, então, como se Poesia toda furiosamente<br />
se concentrasse sobre si mesma e, produzin<strong>do</strong> este livro, se tornasse<br />
evi<strong>de</strong>nte aquilo que ela já era: um «poema contínuo». Trata-se <strong>de</strong> uma<br />
evidência que misteriosamente nos ramifica os caminhos. Por exemplo,<br />
somos leva<strong>do</strong>s a admitir pelo menos <strong>do</strong>is mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> ler o título <strong>de</strong>ste<br />
novo livro. Primeiro, é como se fosse ‘Poesia Toda Ou o poema contínuo’.<br />
Mas, <strong>de</strong>pois, é também como se fosse ‘<strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r Ou o<br />
poema contínuo’. A capa <strong>do</strong> livro sustenta (se é que não foi ela que me<br />
levou a) esta segunda leitura, pela maneira como inscreve e dispõe os<br />
dizeres autorais. Sobre uma reprodução <strong>do</strong> quadro <strong>de</strong> Goya, saturno<br />
<strong>de</strong>voran<strong>do</strong> a un hijo, imprime-se em baixo e <strong>de</strong>scentrada para a direita<br />
uma caixa com outra cor <strong>de</strong> fun<strong>do</strong>, ou um selo, em que se abrem a<br />
branco, mas em tipos e tamanhos <strong>de</strong> letra diferentes, o nome <strong>do</strong> Autor,<br />
o título ou nome próprio <strong>do</strong> poema, e essa palavra – súmula – o subtítulo<br />
que dá uma indicação sobre o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> ser <strong>do</strong> livro. Como o título<br />
abre com um «Ou» (c/ maiúscula inicial), os nossos hábitos linguísticos<br />
levam-nos a procurar algo que <strong>de</strong>veria estar antes: «X ou (...) ». Ora, na<br />
«caixa» ou no «selo», o que vem antes é justamente e apenas o nome<br />
<strong>de</strong> Autor. Len<strong>do</strong> assim, «<strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r» emigra da sua condição <strong>de</strong><br />
nome <strong>de</strong> autor (que reenvia para um indivíduo humano concreto) para<br />
a condição <strong>de</strong> texto, <strong>de</strong> fragmento textual <strong>de</strong> um título. Dito <strong>de</strong> outra<br />
maneira, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser apenas o nome <strong>do</strong> poeta, <strong>do</strong> agente, para ser<br />
parte da obra. Ou ainda: ‘<strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r é a poesia toda Ou o poema<br />
contínuo’. e então é como se se fizesse o que dizem estes versos <strong>do</strong><br />
penúltimo poema <strong>de</strong>ste livro, que é o último <strong>de</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>: brilhan<strong>do</strong>,<br />
autor,/ como se ele mesmo fosse o poema. e, entretanto, isto não significa<br />
necessariamente uma essencialização da poesia. Nessa migração,<br />
a individualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> poeta não se dissolve na trama <strong>do</strong> texto, antes<br />
se transforma num mo<strong>do</strong> da singularização <strong>de</strong>sta escrita. Por outro<br />
la<strong>do</strong>, <strong>de</strong> um título (Poesia toda) para o outro (ou o poema contínuo:<br />
súmula), o poema toma o lugar da «poesia» ou está por ela.