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o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

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singulAridA<strong>de</strong>s <strong>de</strong> umA moçA e nArcotizAção <strong>do</strong> Herói<br />

283<br />

<strong>de</strong>la sabia <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfavorável. e mais ainda, para se pôr a imaginar um<br />

melodrama pungente, no qual reserva para si o papel <strong>de</strong> herói salva<strong>do</strong>r.<br />

Ora acontecen<strong>do</strong> isto num ponto da narrativa em que Baltazar,<br />

sobretu<strong>do</strong> por experiência própria, está já ciente <strong>de</strong> que Mécia não<br />

passa <strong>de</strong> uma moça leviana, não é <strong>de</strong> estranhar a narcotização <strong>do</strong> herói<br />

nesta altura <strong>do</strong> texto em que ainda nada ou pouco sabe da morgada <strong>de</strong><br />

Ansiães. Po<strong>de</strong>mos verificar e argumentar a narcotização da personagem,<br />

a leitura ingénua ou gastronómica que faz da moça, basicamente<br />

a partir <strong>de</strong> quatro pontos atinentes ao comportamento <strong>de</strong> Mécia:<br />

os seus silêncios, o que diz, o que faz e o que não faz.<br />

2.1. Salta à vista que a narcotização <strong>de</strong> Baltazar se <strong>de</strong>ve, provavelmente<br />

antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, aos silêncios <strong>de</strong> Mécia, na medida em que a<br />

contenção verbal da personagem funciona como um vasto «espaço<br />

em branco» (Ducrot, 1972) ou «ponto <strong>de</strong> in<strong>de</strong>terminação» (Ingar<strong>de</strong>n,<br />

1930) que Baltazar preenche com expectativas românticas.<br />

Veja-se que o primeiro capítulo – o da aparição provi<strong>de</strong>ncial <strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong>is cavaleiros no Marão – termina com uma repreensão <strong>de</strong> Baltazar<br />

ao falar grosseiro e algo virulento <strong>do</strong> primo. Finda assim o capítulo:<br />

«– Vê lá como falas! – observou Baltazar a meia voz. – Olha que vai ali<br />

uma menina.» (sm. 15). A reprimenda vem na sequência das queixas<br />

<strong>de</strong> D. José. A seu mo<strong>do</strong>, o fidalgo da casa <strong>de</strong> Alijó insurgia-se contra<br />

três cotoveladas que o primo lhe aplicara e que tiveram origem numa<br />

intervenção <strong>de</strong>spu<strong>do</strong>rada, na qual o <strong>de</strong>scortês D. José não se coibira<br />

<strong>de</strong> contrastar, <strong>de</strong> sorriso boçal e usan<strong>do</strong> uma linguagem nada galante,<br />

a beleza da prima Mécia com a suposta fealda<strong>de</strong> <strong>de</strong> primas <strong>de</strong> Lisboa.<br />

Os dizeres <strong>do</strong> exuberante D. José provocaram riso na parentela <strong>de</strong><br />

Ansiães. O narra<strong>do</strong>r especifica inclusive que a filha <strong>de</strong> Lopo <strong>de</strong> Sampaio<br />

«<strong>de</strong>satou um sorriso, que lhe iluminou as faces pálidas» (ibi<strong>de</strong>m).<br />

É então que Baltazar parece cometer um erro <strong>de</strong> interpretação: cuida<br />

que o corar <strong>de</strong> Mécia provém <strong>do</strong> embaraço senti<strong>do</strong> diante daquilo que<br />

D. José dissera com tanto à vonta<strong>de</strong> e com semelhante falta <strong>de</strong> cortesia.<br />

O mesmo será dizer que Baltazar proce<strong>de</strong> a uma interpretação<br />

abusiva da comunicação não-verbal emitida pela personagem naquele<br />

momento. É com base nessa leitura excessiva que o sensível e <strong>de</strong>lica<strong>do</strong><br />

fidalgo <strong>de</strong> Olarias imediatamente repreen<strong>de</strong> a in<strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za <strong>do</strong> primo 6 .<br />

6 Ora nada indica que Mécia se melindrasse ao escutar os «sacudi<strong>do</strong>s dizeres»,<br />

como os qualifica o narra<strong>do</strong>r (cf. sm. 15), <strong>do</strong> morga<strong>do</strong> <strong>de</strong> Alijó. O que explica a reacção<br />

<strong>de</strong> Baltazar tem a ver com a sua voluntariosa, para não querer dizer excessiva, preocupação<br />

em assegurar que Mécia usufrua <strong>de</strong> um tratamento condigno com a sua condi-

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