o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
inVestigAções PoéticAs <strong>do</strong> terror<br />
4.<br />
171<br />
Uma investigação poética não procura culpa<strong>do</strong>s, mas afirma<br />
inocências, isto é, abre-se ao futuro, experimenta. Nessa abertura, que<br />
é individuação, criação <strong>de</strong> uma forma, se concentra to<strong>do</strong> o tempo e<br />
nele a poesia e as crenças <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, não como lembranças ou representações,<br />
mas como multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forças irradiantes que entram<br />
na composição <strong>do</strong> poetar, um agir não-necessário porquanto é por ele<br />
que «o escândalo chega». O skandalon da poesia é inamovível, mas<br />
não está fixo, é uma intensida<strong>de</strong> vertiginosa.<br />
5.<br />
Sen<strong>do</strong> a poesia incompreensível, as duas piores coisas que se<br />
po<strong>de</strong>m fazer com ela são: lamentar a sua incompreensibilida<strong>de</strong> ou<br />
enaltecê-la como valor em si . No primeiro caso, preten<strong>de</strong>-se reduzir a<br />
poesia à lógica gramatical, no segun<strong>do</strong>, sacralizá-la em função <strong>de</strong> uma<br />
verda<strong>de</strong> reservada aos inicia<strong>do</strong>s. Isto não vale apenas para a poesia<br />
<strong>de</strong> <strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r, que não se po<strong>de</strong> caracterizar por ser mais ou<br />
menos compreensível, por trazer mais ou menos problemas à leitura.<br />
A compreensibilida<strong>de</strong>, legibilida<strong>de</strong> ou ilegibilida<strong>de</strong> são construções da<br />
leitura, como construções <strong>de</strong>la são os problemas que apresenta, cuja<br />
apresentação é da responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>la, que não po<strong>de</strong> ser iludida<br />
pela sua pretensão a ser comentário. A impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apresentar<br />
um senti<strong>do</strong> ou senti<strong>do</strong>s <strong>de</strong> um poema ou <strong>de</strong> um texto literário é-lhes<br />
imanente, uma vez que não se trata <strong>de</strong> simples organização <strong>de</strong> símbolos.<br />
Fazer organização <strong>de</strong> símbolos é algo que está na capacida<strong>de</strong> da<br />
máquina <strong>de</strong> Turing, mas criar senti<strong>do</strong> não, uma vez que tal processo<br />
implica o salto no inexplicável. e note-se que este se dá sempre que<br />
não há simples reprodução, quer se esteja perante um efeito <strong>de</strong> literalida<strong>de</strong>,<br />
a <strong>de</strong>scrição, quer perante um efeito <strong>de</strong> figuração, a construção<br />
<strong>de</strong> imagens. Na criação <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>, o sem-limite ou incompletu<strong>de</strong> da<br />
reflexão (pensada nos <strong>de</strong>bates sobre os para<strong>do</strong>xos lógicos e que<br />
encontra semelhança no que em Matemática é postula<strong>do</strong> pelo teorema<br />
<strong>de</strong> Gö<strong>de</strong>l) é suspenso por intuições que aliam ao efeito <strong>de</strong> evidência a<br />
obscurida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um agir enlouqueci<strong>do</strong>, um désoeuvrement, uma razão<br />
ar<strong>de</strong>nte.