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o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

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280 diAcríticA<br />

ser e <strong>de</strong> ver o mun<strong>do</strong> à maneira <strong>de</strong> ser e <strong>de</strong> ver <strong>de</strong> uma criança. A manifesta<br />

insensibilida<strong>de</strong> ao sofrimento alheio <strong>de</strong>nuncia-lhe igualmente a<br />

escassa maturida<strong>de</strong>. Mécia, como qualquer criança, vive centrada em<br />

si mesma. Daí que não atenda às queixas <strong>do</strong> pai, estan<strong>do</strong> em jogo um<br />

cetim <strong>de</strong>sfeito; daí que <strong>de</strong>pressa esqueça o abalo da morte <strong>de</strong> D. José,<br />

passan<strong>do</strong> a viver regalada na corte; e daí que seduza pelo prazer <strong>de</strong><br />

seduzir e <strong>de</strong> se saber amada e adulada, sem nunca investir sentimentalmente<br />

nas relações, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong> sofrimento causa<strong>do</strong> aos<br />

preten<strong>de</strong>ntes. esta falta <strong>de</strong> investimento sentimental sério, este seu<br />

pen<strong>do</strong>r leviano, revela que a moça ten<strong>de</strong> a viver a realida<strong>de</strong> justamente<br />

como a viveria, por sua conta, uma criança, quer dizer, sem compromissos<br />

sérios nem responsabilida<strong>de</strong>s assumidas, quan<strong>do</strong> muito como<br />

uma realida<strong>de</strong> con<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte que lhe permita, a <strong>de</strong>speito <strong>do</strong>s costumes<br />

e <strong>do</strong> bom nome, o gozo lúdico das aventuras amorosas. Uma<br />

visão simplista e lúdica <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e das coisas, sem o empecilho das<br />

convenções sociais. quan<strong>do</strong> se propõe, a instâncias <strong>do</strong> pai e <strong>do</strong> tio,<br />

seduzir D. José, com vista a que este peça a sua mão, não se escusa <strong>de</strong><br />

lhes reclamar uma exigência <strong>de</strong>scabida: «– Mas – prosseguiu Mécia –<br />

se, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ele me pedir, eu não quiser casar com ele, o pai não me<br />

há-<strong>de</strong> obrigar» (i<strong>de</strong>m, 178). A solicitação <strong>de</strong>sta ressalva significa que<br />

a filha <strong>de</strong> Lopo <strong>de</strong> Sampaio se apresenta aqui numa atitu<strong>de</strong> bastante<br />

peculiar para uma <strong>do</strong>nzela <strong>de</strong> linhagem e em ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> casar.<br />

De acor<strong>do</strong> com a tipologia <strong>do</strong> psicólogo alemão e. Berne, em<br />

Was sagen sie, nach<strong>de</strong>m Sie Guten Tag gesagt haben? (1975), estu<strong>do</strong><br />

a partir <strong>do</strong> qual elaborou no âmbito da psicologia das profundida<strong>de</strong>s<br />

uma grelha vasta que lhe permitiu efectuar o que chamou <strong>de</strong> análises<br />

transaccionais (espécie, no campo da análise discursiva, <strong>de</strong> tipologias<br />

comunicacionais), diríamos que Mécia tem aqui um <strong>de</strong>sem-<br />

penho verbal marca<strong>do</strong> por um claro eu-criança, por contraste com o<br />

eu-parental <strong>do</strong> pai, que retorquirá repreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-a 3 . Ao afirmar: «se,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ele me pedir, eu não quiser casar com ele, o pai não me há-<strong>de</strong><br />

obrigar», a moça proce<strong>de</strong> a uma solicitação que se enquadra numa<br />

transacção verbal <strong>de</strong> tipo eu-criança, o que <strong>de</strong>nuncia uma imaturida<strong>de</strong><br />

psíquica. Ace<strong>de</strong> seduzir quem lhe apontam como sen<strong>do</strong> o melhor<br />

parti<strong>do</strong> disponível, mas preten<strong>de</strong> fazê-lo, como se <strong>de</strong> um <strong>de</strong>safio se<br />

tratasse, na condição <strong>de</strong> que, fin<strong>do</strong> o jogo sedutor, o matrimónio não<br />

constitua obrigatorieda<strong>de</strong>. A atitu<strong>de</strong> é <strong>de</strong>monstrativa <strong>de</strong> que Mécia não<br />

alcança as consequências <strong>do</strong> que reclama. quer como que persistir na<br />

3 Vi<strong>de</strong>, a propósito da tipologia <strong>de</strong> Berne, Drewermann, 1984: 315-8.

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