15.04.2013 Views

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

em que línguA escreVe <strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r?<br />

(...)<br />

o mo<strong>do</strong> esplen<strong>do</strong>r <strong>do</strong> verbo,<br />

<strong>de</strong>ntro, fun<strong>do</strong>, lento, essa língua,<br />

errada, soprada, atenta,<br />

(...)<br />

(574)<br />

159<br />

O «êxtase das línguas», «o mo<strong>do</strong> esplen<strong>do</strong>r <strong>do</strong> verbo», a «língua<br />

máxima» (539) são a poesia porque (ou quan<strong>do</strong>, e se) ela refaz a<br />

língua na «frase rítmica e restrita que não po<strong>de</strong> ser posta em língua,<br />

elíptica, (...)» (602): «oh maravilha da frase corrigida pelos erros»<br />

(602), escreve <strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r. Porque o «erro» é o sintoma da exactidão<br />

<strong>de</strong> que a gramática se <strong>de</strong>svia ao banir o erro.<br />

Disse atrás que há pontos <strong>de</strong> contacto entre esta perspectiva<br />

<strong>de</strong> <strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r e o entendimento mallarmeano da poesia como<br />

linguagem <strong>de</strong> superação da ineficiência das línguas, as quais evi<strong>de</strong>nciariam<br />

a arbitrarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> que são feitas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo na sua multiplicida<strong>de</strong>.<br />

Faltou-me dizer que esta afinida<strong>de</strong> apenas aproxima os <strong>do</strong>is<br />

poetas num ponto – a partir <strong>do</strong> qual divergem radicalmente. Para<br />

Mallarmé, existe uma linguagem poética que supera, sobretu<strong>do</strong> pela<br />

motivação da relação entre som e senti<strong>do</strong>, a arbitrarieda<strong>de</strong> das línguas. 8<br />

em <strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r, a questão parece ampliar-se porque nada garante<br />

que a poética herbertiana aceite a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se <strong>de</strong>finir, em termos<br />

essencialistas, o que seja uma linguagem poética, ou a língua da poesia.<br />

Sabe-se o que a poesia preten<strong>de</strong>, mas não como falará para lá chegar.<br />

Se a poesia for uma língua, essa língua apenas acontece em função <strong>de</strong><br />

uma fala, <strong>de</strong> um estilo que começa por «língua nenhuma» (575).<br />

*<br />

O cria<strong>do</strong>r herbertiano obe<strong>de</strong>ce a uma «gramática profunda», 9<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo porque infixa, infixável (o estilo é a sua maneira <strong>de</strong> a procurar).<br />

Mas essa gramática é profunda também porque toda ela con-<br />

8 Vale a pena recordar a síntese feita por Paul Valéry em «Je disais quelquefois à<br />

Stéphane Mallarmé»: «Il [Mallarmé] conçoit (...), avec une force et une netteté remarquables,<br />

que l’art implique et exige une équivalence et un échange perpétuellement<br />

exercé entre la forme et le fond, entre le son et le sens, entre l’acte et la matière» (Valéry,<br />

1957: 658).<br />

9 Penso, muito concretamente, numa passagem <strong>de</strong> «Cinemas» (Hel<strong>de</strong>r, 1998: 8):<br />

«A imagem é um acto pelo qual se transforma a realida<strong>de</strong>, é uma gramática profunda no<br />

senti<strong>do</strong> em que se refere que o <strong>de</strong>sejo é profun<strong>do</strong>, e profunda a morte, e a vida ressurrecta.<br />

Deus é uma gramática profunda».

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!