15.04.2013 Views

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

o <strong>conto</strong> insolÚVel <strong>de</strong> <strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r: duAs PessoAs<br />

111<br />

duplica: a relação eU-TU se disfarça na performance <strong>do</strong> eU-ISSO<br />

(Buber, 1982), interditan<strong>do</strong> toda possibilida<strong>de</strong> dialógica das duas<br />

pessoas. Trata-se <strong>de</strong> uma conduta que Martin Buber <strong>de</strong>nomina <strong>do</strong>brar-<br />

-se-em-si-mesmo, essa que faz <strong>do</strong> outro um objeto <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> eu, a<br />

presunção <strong>de</strong> um saber ou <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> próprio sujeito:<br />

Chamo <strong>de</strong> <strong>do</strong>brar-se-em-si-mesmo o retrair-se <strong>do</strong> homem diante da<br />

aceitação, na essência <strong>do</strong> seu ser, <strong>de</strong> uma outra pessoa na sua singularida<strong>de</strong>,<br />

singularida<strong>de</strong> que não po<strong>de</strong> absolutamente ser inscrita no círculo<br />

<strong>do</strong> próprio ser e que contu<strong>do</strong> toca e emociona substancialmente a nossa<br />

alma, mas que <strong>de</strong> forma alguma se lhe torna imanente; <strong>de</strong>nomino o<br />

<strong>do</strong>brar-se-em-si-mesmo a admissão da existência <strong>do</strong> Outro somente sob<br />

a forma da vivência própria, somente como «uma parte <strong>do</strong> meu eu».<br />

O diálogo torna-se aí uma ilusão, o relacionamento misterioso entre<br />

mun<strong>do</strong> humano e mun<strong>do</strong> humano torna-se apenas um jogo e, na rejeição<br />

<strong>do</strong> real que nos confronta, inicia-se a <strong>de</strong>sintegração da essência <strong>de</strong><br />

toda realida<strong>de</strong> (Buber, 1982: 55).<br />

No <strong>conto</strong> <strong>de</strong> Hel<strong>de</strong>r, esse jogo é <strong>de</strong>veras especular, na sequência<br />

<strong>de</strong> projeções em que o Outro é capta<strong>do</strong> por palavras e imagens que,<br />

embora ousadas e por vezes agudas, não escapam <strong>de</strong> serem redutoras,<br />

planas, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a con<strong>de</strong>ná-lo a uma finitu<strong>de</strong> objectual. Não há,<br />

portanto, <strong>de</strong> fato, uma percepção da alterida<strong>de</strong> ali, por nenhuma das<br />

vozes que narram, uma vez que, como explica Castor Ruiz, «o outro<br />

ser humano é alguém que nunca po<strong>de</strong> ser reduzi<strong>do</strong> a uma forma <strong>de</strong><br />

conhecimento. O outro é uma alterida<strong>de</strong> porque não po<strong>de</strong> ser conheci<strong>do</strong>.<br />

Isso significa que, enquanto alterida<strong>de</strong>, o outro não se esgota<br />

numa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nem numa explicação sobre sua pessoa» (Ruiz, 2004:<br />

161). No mesmo artigo, o filósofo conclui: «o reconhecimento da alterida<strong>de</strong><br />

está vincula<strong>do</strong> à dimensão da dignida<strong>de</strong>» (Ruiz, 2004: 149).<br />

No <strong>conto</strong> <strong>insolúvel</strong> <strong>de</strong> Hel<strong>de</strong>r, essa dimensão é tão <strong>de</strong>sejada pelo «eu»<br />

quanto subtraída <strong>do</strong> «outro», e o que temos, ao final, é simplesmente o<br />

embate silencioso <strong>de</strong> <strong>do</strong>is sujeitos <strong>do</strong>bra<strong>do</strong>s em si mesmos.<br />

Mas é justamente nessa falha humana – <strong>do</strong> olhar que vê muito e<br />

interpreta com agu<strong>de</strong>za, e por isso presume o <strong>do</strong>mínio – que resi<strong>de</strong> a<br />

força <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is discursos, e <strong>do</strong> conjunto biparti<strong>do</strong> que resiste dramaticamente<br />

à fusão erótica, reduzida à pura latência, no (<strong>de</strong>s)encontro<br />

tanto banal quanto trágico, <strong>de</strong> duas pessoas.<br />

Curioso é ler, na poesia <strong>de</strong> Hel<strong>de</strong>r – o seu estilo <strong>de</strong>finitivo, ou<br />

único estilo que escapa à ironia <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s <strong>conto</strong>s – um sujeito<br />

que se constrói mediante o exercício constante da entrega erótica, num

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!