o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
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AindA AProPósito <strong>do</strong> soneto O DIA eM qUe eU NASCI MOURA e PeReÇA<br />
215<br />
Recor<strong>do</strong> que me propus então «tentar uma resposta substantiva<br />
ao problema da autoria», o que não é o mesmo, bem entendi<strong>do</strong>, que<br />
conseguir uma resposta <strong>de</strong>finitiva ao mesmo problema. Neste senti<strong>do</strong>,<br />
as consi<strong>de</strong>rações que se seguem <strong>de</strong>stinam-se, ao mesmo tempo, a fazer<br />
jus à forma como o meu texto foi comenta<strong>do</strong> em A lira <strong>do</strong>urada…, e<br />
a clarificar, completar e (espero) consolidar um pouco mais as razões<br />
que me levam a supor que <strong>de</strong>ixou agora <strong>de</strong> haver motivos razoáveis – o<br />
que não quer dizer, evi<strong>de</strong>ntemente, motivos possíveis! – para duvidar<br />
<strong>de</strong> quem tenha si<strong>do</strong> o autor daquele soneto. A<strong>de</strong>mais, importará ainda<br />
tecer algumas consi<strong>de</strong>rações que enquadrem a pesquisa duma atribuição<br />
segura <strong>de</strong>ste ou <strong>do</strong>utro poema na realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s textos quinhentistas,<br />
da sua ínsita variabilida<strong>de</strong>, da sua sujeição pluridimensional e<br />
das suas oscilações <strong>de</strong> autoria.<br />
2. A partir da <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong> Professor Aguiar e Silva, po<strong>de</strong> o<br />
leitor ficar eventualmente com a impressão <strong>de</strong> que a atribuição que<br />
faço <strong>de</strong> «O dia em que eu nasci moura e pereça» a Camões <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />
exclusivamente da relação intertextual indirecta <strong>do</strong> último terceto, e<br />
apenas dum sintagma particular <strong>de</strong>le (não te espantes), com poemas<br />
<strong>do</strong>s contemporâneos Diogo Bernar<strong>de</strong>s e Jerónimo Corte-Real. Ora,<br />
esta impressão, a ocorrer, é redutora. Como escrevi nas conclusões <strong>do</strong><br />
estu<strong>do</strong>, a minha argumentação no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que o autor <strong>de</strong> «O dia em<br />
que eu nasci» é também o autor d’os lusíadas assenta na acumulação<br />
<strong>de</strong> várias marcas textuais, que incluem léxico, rima e estilemas. em<br />
jeito <strong>de</strong> sumário, diga-se que a presença <strong>de</strong>stacada da construção não<br />
te espantes foi observada ali em articulação com os seguintes factores:<br />
1) presença <strong>de</strong> <strong>de</strong>cassílabo inicia<strong>do</strong> por um vocativo com a interjeição<br />
«ó» seguida <strong>de</strong> nome e duma variante da construção<br />
não + espantar;<br />
2) a utilização, em posição final no verso, <strong>do</strong> sintagma <strong>de</strong> ignorante(s);<br />
3) a existência <strong>de</strong> rima externa em -antes;<br />
4) a utilização da palavra pessoa(s);<br />
5) as duas (aparentes) paródias coevas.<br />
A estes da<strong>do</strong>s, explica<strong>do</strong>s no meu ensaio, po<strong>de</strong> acrescentar-se a<br />
aproximação, realizada convincentemente por Vasco Graça Moura, <strong>do</strong><br />
terceiro verso <strong>de</strong> «O dia em que eu nasci» a <strong>do</strong>is outros versos camonianos,<br />
como em lugar próprio apontei. Apenas quan<strong>do</strong> se juntam e<br />
contrabalançam to<strong>do</strong>s estes elementos materiais, a tese que propus<br />
adquire o seu peso efectivo.