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o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

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Alguns ProblemAs <strong>de</strong> críticA teXtuAl nAs RIMAS <strong>de</strong> cAmões<br />

nem teseu esforça<strong>do</strong><br />

com manha, nem com força rigorosa,<br />

livrar po<strong>de</strong> o ousa<strong>do</strong><br />

Pirítoo da espantosa<br />

prisão leteia, escura e tenebrosa.<br />

205<br />

estes versos levantam uma interrogação fascinante: Camões terá<br />

escrito «po<strong>de</strong>» (presente) ou «pô<strong>de</strong>» (perfeito)? Só o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

conceptual <strong>do</strong> poema po<strong>de</strong>rá dar resposta a esta dúvida.<br />

fogem as neves frias. Logo no verso <strong>de</strong> abertura, uma sensível<br />

divergência relativamente ao mo<strong>de</strong>lo horaciano: o tempo verbal. «Fugiram»<br />

(Horácio); «fogem» (Camões). 6 Divergência, por um la<strong>do</strong>; motivo<br />

<strong>de</strong> estranheza, por outro. É que, neste poema, Camões acolhe com tal<br />

entusiasmo a pre<strong>do</strong>minância uniformiza<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> presente <strong>do</strong> indicativo,<br />

explorada até ao limite por Horácio nas duas o<strong>de</strong>s referidas, que<br />

até o exótico perfeito inicial (diffugere: «fugiram») é regulariza<strong>do</strong> e<br />

trazi<strong>do</strong> para o presente.<br />

Da abdicação <strong>de</strong> abrir com o Passa<strong>do</strong> à cabeça resulta um efeito<br />

<strong>de</strong> significação re<strong>do</strong>brada quan<strong>do</strong> surge, finalmente, no v. 25, a primeira<br />

forma verbal pretérita <strong>do</strong> poema, após nada menos que treze<br />

formas <strong>de</strong> indicativo presente (e outras ainda <strong>de</strong> gerúndio). É Actéon,<br />

significativamente, que vem quebrar a sensação <strong>de</strong> indiferenciamento<br />

contínuo provoca<strong>do</strong> pelo suce<strong>de</strong>r <strong>de</strong> formas verbais na terceira pessoa<br />

<strong>do</strong> singular <strong>do</strong> presente <strong>do</strong> indicativo, numa estrofe on<strong>de</strong> Diana <strong>de</strong>sce<br />

(presente), mas on<strong>de</strong> per<strong>de</strong>u (perfeito) Actéon a natural figura 7 .<br />

que o aparecimento <strong>de</strong>ste pretérito perfeito no v. 25 da o<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Camões adquire especial relevo é circunstância susceptível <strong>de</strong> confirmação<br />

quan<strong>do</strong> nos damos conta <strong>de</strong> que o poeta «<strong>do</strong>seou» o recurso ao<br />

Passa<strong>do</strong> no poema com rigoroso conceptismo, a ponto <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rmos<br />

extrair como que uma «filosofia <strong>do</strong> tempo» que informa a o<strong>de</strong> «Fogem<br />

6 quanto ao adjectivo «frias», cf. o sintagma neve fria em elegia I.198; e no Soneto<br />

mudam-se os tempos, mudam-se as vonta<strong>de</strong>s (n.º 92 Costa Pimpão), v. 10. A expressão,<br />

soberbamente pleonástica, po<strong>de</strong>rá ter si<strong>do</strong> inspirada por Tasso (O<strong>de</strong> VII.8: fred<strong>de</strong> nevi).<br />

Mais à frente na o<strong>de</strong> camoniana, a expressão «frígida neve» (v. 32) operará um efeito<br />

classicizante <strong>de</strong> ring-composition.<br />

7 O melómano recordará um efeito célebre em das rheingold <strong>de</strong> Richard Wagner<br />

que, mutatis mutandis, se po<strong>de</strong>ria consi<strong>de</strong>rar análogo: o aparecimento <strong>de</strong> Alberich,<br />

figura mítica «humanizada» pela lascívia (como Actéon), que, ao surpreen<strong>de</strong>r o banho<br />

divino das Ninfas <strong>do</strong> Reno, quebra, pela primeira vez na partitura daquela ópera, a<br />

sensação <strong>de</strong> indiferenciamento produzida por intermináveis compassos a arpejar, sem<br />

modulação, o acor<strong>de</strong> <strong>de</strong> mi bemol maior.

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