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o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

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286 diAcríticA<br />

vem na sequência justamente <strong>de</strong> uma cortesia <strong>de</strong> Baltazar à proposta<br />

lançada por Lopo <strong>de</strong> que, por comodida<strong>de</strong>, acompanhasse seu primo<br />

(«Irei, se V. S.as preferem o irem conversan<strong>do</strong> em cousas <strong>de</strong> família,<br />

em que um terceiro é sempre importuno», [sm. 45]), ou pren<strong>de</strong>-se já<br />

com uma estratégia alinhavada por <strong>de</strong>trás da qual se perfila a intenção<br />

<strong>de</strong> encorajar um noiva<strong>do</strong> <strong>de</strong> Baltazar com a filha? O texto não oferece<br />

resposta segura. Ganha, porém, força a segunda hipótese. em parti-<br />

cular, se tivermos em conta a astúcia usada por Lopo em diversas<br />

ocasiões. Por exemplo, (a) mal fica na posse da informação <strong>do</strong>s mo<strong>de</strong>stos<br />

haveres da casa <strong>de</strong> Olarias, com a ajuda <strong>do</strong> irmão, estimula a filha a<br />

seduzir D. José, proprietário abasta<strong>do</strong>; (b) as vezes que recorda a Mécia<br />

a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ela se casar com um fidalgo endinheira<strong>do</strong>, a fim <strong>de</strong><br />

suprir a penúria que afecta a casa <strong>de</strong> Ansiães; (c) o mo<strong>do</strong> como, morto<br />

o fidalgo <strong>de</strong> Alijó, insta ao consórcio da filha com o sobrinho João <strong>de</strong><br />

Dornelas, e por aí fora. Mas, mesmo que Lopo <strong>de</strong> Sampaio, fazen<strong>do</strong><br />

prova <strong>de</strong> alguma astúcia que se lhe reconhece em diversos pontos da<br />

narrativa, incorpore numa circunstância verbal <strong>de</strong> cortesia a intenção<br />

escondida <strong>de</strong> promover a união <strong>do</strong> fidalgo com a filha, ressalve-se que<br />

não é seguramente claro que o faça na mira <strong>de</strong> vantagens económicas.<br />

A ser meramente assim, a atenção <strong>de</strong> Lopo po<strong>de</strong>ria perfeitamente<br />

recair no fidalgo <strong>de</strong> Alijó, para mais que este, em contraponto ao <strong>de</strong><br />

Olarias, se revela um in<strong>de</strong>fectível <strong>de</strong>fensor da i<strong>de</strong>ologia nobiliárquica<br />

e conserva<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> que comunga o pai <strong>de</strong> Mécia.<br />

Seja como for, retenha-se, portanto, que os silêncios <strong>de</strong> Mécia<br />

configuram uma comunicação não-verbal que concorre tanto para lhe<br />

en<strong>do</strong>ssar, aos olhos <strong>de</strong> Baltazar, uma condição angelical como para<br />

sugerir um <strong>de</strong>sejo recíproco.<br />

2.2. Devidamente concertadas com a postura <strong>de</strong> retraimento da<br />

personagem, com a comunicação não-verbal, as palavras que profere<br />

ten<strong>de</strong>m igualmente a <strong>de</strong>finirem-lhe uma imagem distante daquela que<br />

sobressairá <strong>do</strong> seu percurso sentimental e que a <strong>de</strong>teriorará aos olhos<br />

<strong>do</strong> leitor.<br />

Como resposta à empolgada <strong>de</strong>scrição que D. José faz das touradas,<br />

Mécia contrapôs indignada e <strong>de</strong>sarmante: «que corações!»<br />

(i<strong>de</strong>m, 31). quem assim a ouve é leva<strong>do</strong> – sob pena <strong>de</strong> incorrer numa<br />

leitura em chave ten<strong>de</strong>nciosa <strong>do</strong> que escuta e <strong>de</strong> falhar uma estabilida<strong>de</strong><br />

aparentemente óbvia <strong>de</strong> senti<strong>do</strong> – a concluir, por assim dizer, que<br />

uma espessa camada <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> bom coração envolvem a<br />

fidalga <strong>de</strong> Ansiães. Aliás, a fixação <strong>de</strong>ste senti<strong>do</strong> vem na sequência da

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