o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
246 diAcríticA<br />
sinaliza<strong>do</strong> estilisticamente pelo vaivém da expressão «lá vem ela»<br />
(outro paralelismo) e pelo uso <strong>de</strong> interjeições (cf. «ais»), gemi<strong>do</strong>s que<br />
<strong>de</strong>notam a premência <strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo:<br />
• Ai, lá vem ela saben<strong>do</strong> que é linda<br />
Por on<strong>de</strong> passa a relva cresce (…)<br />
Lá vem ela saben<strong>do</strong> que mexe<br />
Um peito acima, outro <strong>de</strong>sce<br />
Lá vem ela mostran<strong>do</strong> interesse<br />
No que, no que cresce (…)<br />
(Ai) Lá vem ela saben<strong>do</strong> que é boa,<br />
que a nossa cabeça fica à toa (…)<br />
e lá vem ela saben<strong>do</strong> que é bela<br />
e que à janela eu fico à espera<br />
(«Popless», in Popless, 2000)<br />
Gemebun<strong>do</strong> surge também o autor perante a figura feminina que,<br />
numa tar<strong>de</strong> chuvosa e fria, ele <strong>de</strong>scobre sentada, a fumar, frente ao<br />
altar <strong>de</strong> uma igreja. esfíngica, qual Virgem Maria, o «anjo fumegante»<br />
<strong>de</strong>sperta-lhe para<strong>do</strong>xalmente fantasias carnais – ou, nas suas palavras,<br />
um «profano <strong>de</strong>sejo», que só po<strong>de</strong> ser apaga<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong> alega, com<br />
água fria, ainda que benta. O carácter cómico da canção é reforça<strong>do</strong><br />
pelas sucessivas exclamações, sinal algo histriónico da urgência da<br />
paixão:<br />
• Sentada imóvel, fuman<strong>do</strong> em frente ao altar;<br />
Silhueta, o esboço, a esfinge <strong>de</strong> um anjo fumegante;<br />
Há em mim um profano <strong>de</strong>sejo a crescer (…)<br />
Ai, atirem-me água benta!<br />
Por ela assalto a caixa <strong>de</strong> esmolas! Atirem-me água fria! (…)<br />
Por ser latina calculo que o nome <strong>de</strong>la é Maria.<br />
É casta, eu sei, se é virgem ou não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da vossa fantasia.<br />
(«Ví<strong>de</strong>o Maria», in Ví<strong>de</strong>o maria, 1988)<br />
Um último exemplo <strong>do</strong> papel <strong>do</strong> olhar na manifestação <strong>do</strong> amor<br />
erótico surge em «Tons sem tom», em que o poeta é representa<strong>do</strong> como<br />
um pintor que escolhe as cores a aplicar no retrato <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo, corpo<br />
«<strong>do</strong>ce e nu» posiciona<strong>do</strong> junto ao aquece<strong>do</strong>r a gás. No papel on<strong>de</strong><br />
hão-<strong>de</strong> surgir <strong>conto</strong>rnos e colagens, aparecerá também uma natureza<br />
morta com romãs, <strong>de</strong> nítida carga simbólica:<br />
• Deixa-me olhar o papel<br />
Deixa-mo cheirar<br />
espesso ocre ou da cor <strong>do</strong> mel