o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
AcolHer nA bocA, <strong>de</strong>Pois no cHão <strong>do</strong>s olHos: o PoemA<br />
impressão <strong>de</strong> que toda a sua obra é um só poema. Outros terão escrito<br />
poemas que é possível intitular, referir a coisas e acontecimentos. Pelo<br />
contrário, a poesia <strong>de</strong> <strong>Herberto</strong> é essa massa em permanente e impossível<br />
reorganização» (Cruz, 2008: 249).<br />
Para a conclusão <strong>de</strong>ste ensaio, voltan<strong>do</strong> à questão acerca <strong>do</strong>s<br />
poetas reativos à revalorização da textualida<strong>de</strong> ma non troppo, sem<br />
querer reduzir à transcrição <strong>de</strong> <strong>do</strong>is parágrafos a argumentação séria<br />
<strong>de</strong>senvolvida num longo e <strong>de</strong>nso texto, imagino (e sigo adiante) um<br />
poeta contemporâneo que representasse o carlos <strong>de</strong> oliveira «neo-realista»,<br />
mas...<br />
Serão sempre bem-vin<strong>do</strong>s esses que se não amarram a súmulas<br />
geracionais e outras <strong>de</strong> duvi<strong>do</strong>so caráter temporal. eles já são o futuro<br />
no presente em eterno <strong>de</strong>slocamento <strong>do</strong> literário. Formam a História<br />
Cultural da Literatura.<br />
Talvez em toda a literatura portuguesa pós-pessoana <strong>do</strong> século XX<br />
seja <strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r, o homem civil, o cidadão, que com sabe<strong>do</strong>ria<br />
anti-acadêmica (mas não anti-canônica) se faz vítima da sentença<br />
<strong>de</strong> morte assinada não por Ruy Belo, que já <strong>de</strong>cretara vida eterna a<br />
Pessoa – «Pessoa é o poeta vivo que me interessa mais» – (Belo, 2000:<br />
249), mas sim por leitor mal forma<strong>do</strong>, tal qual a «criança brusca» e<br />
«ignota», que pusesse nos pés e não na boca a colher <strong>do</strong> mel da poesia:<br />
«era <strong>de</strong>pois da morte [<strong>de</strong>] herberto hel<strong>de</strong>r» (i<strong>de</strong>m, 217).<br />
Talvez fosse ela, essa criança, industriada mais uma vez não por<br />
Ruy Belo ele mesmo, mas sim pelo espírito sarcástico que maldiz<br />
seu homônimo medieval, Roy queima<strong>do</strong>, aquele que em sirventês<br />
célebre vê <strong>de</strong>smoralizada a arte <strong>de</strong> trobar <strong>de</strong> quem se diz morrer da<br />
coyta d’amor em verso:<br />
Roy queima<strong>do</strong> morreu con amor<br />
en seus cantares, par Sancta Maria,<br />
por hua <strong>do</strong>na que gran ben queria,<br />
e, por se meter por mays troba<strong>do</strong>r,<br />
porque lh’ela non quis[o] ben fazer,<br />
feze-ss’el em seus cantares morrer!<br />
mays resurgiu <strong>de</strong>poys ao tercer dia!<br />
esto fez el por hua ssa senhor<br />
que quer gram ben, e mays vus en diria:<br />
por que cuyda que faz i maestria,<br />
enos cantares que fez á ssabor<br />
<strong>de</strong> morrer hy e <strong>de</strong>sy d’ar uiuer;<br />
esto faz el que x’o po<strong>de</strong> fazer,<br />
mays outr’omem por ren non [n]o faria.<br />
95