15.04.2013 Views

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

A FACA NÃO CORTA O FOGO: conteXtos Poéticos <strong>de</strong> umA biogrAfiA<br />

O recurso à cultura grega, 8 a presença <strong>de</strong> expressões latinas e a<br />

preocupação pela origem latina <strong>do</strong>s vocábulos (cf. 545), o recurso a<br />

palavras que entraram em <strong>de</strong>suso na língua portuguesa (cf. «agraz»,<br />

entre outras ao longo <strong>do</strong> livro), para além da utilização <strong>do</strong> português<br />

<strong>do</strong> Brasil, da língua francesa, da inglesa e da alemã (cf. 590) são contribuições<br />

que reforçam a importância da língua na sua varieda<strong>de</strong> e na<br />

sua extensão (cf. «A pluralida<strong>de</strong> das vozes na língua <strong>do</strong> poeta», Silva,<br />

2009: 372-375). A disponibilida<strong>de</strong> para as línguas combina aqui com a<br />

potenciação máxima da abertura semântica, procuran<strong>do</strong> os senti<strong>do</strong>s<br />

na amplitu<strong>de</strong> total, on<strong>de</strong> as combinações possíveis se elevam in<strong>de</strong>finidamente<br />

a cada novo verso <strong>do</strong> poema, contemplan<strong>do</strong> nessa abertura<br />

aspectos estilísticos, a componente semântica e a interferência pessoal.<br />

Mas será ainda diante <strong>de</strong>sta abrangência, perante o excesso <strong>de</strong> possi-<br />

bilida<strong>de</strong>s, que tu<strong>do</strong> se reduz ao mínimo e a «frase corrigida pelos<br />

erros» é «a frase rítmica e restrita (…) / elíptica», sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa carência<br />

filho o poeta.<br />

O avanço da ida<strong>de</strong> faz com que gradualmente se venham a encontrar<br />

referências à <strong>de</strong>gradação e à morte pessoal, passan<strong>do</strong> <strong>de</strong> um vocábulo<br />

anónimo a uma preocupação i<strong>de</strong>ntificada. Diante da convivência<br />

com o excesso e perante a percepção da ausência, convive o poeta com<br />

a sua ida<strong>de</strong>, ao exprimir poeticamente a relação pessoal com a língua<br />

e ao distinguir <strong>do</strong>is momentos. Antes, na tentativa <strong>de</strong> criar uma língua<br />

própria <strong>de</strong>ntro da língua, sofria a combustão <strong>do</strong> fogo, «o tempo <strong>do</strong>en<strong>do</strong>,<br />

a mente <strong>do</strong>en<strong>do</strong>, a mão <strong>do</strong>en<strong>do</strong>, / (…) / <strong>de</strong>ntro, fun<strong>do</strong>, lento, essa<br />

língua, / errada, soprada, atenta, / mas agora já nada me embebeda, /<br />

já não sinto nos <strong>de</strong><strong>do</strong>s a pulsação da caneta, / a ida<strong>de</strong> tornou-me louco,<br />

/ sou múltiplo» (574). Arrefece o corpo, esvai-se a paixão; «havia tanto<br />

fogo movi<strong>do</strong> pelo ar <strong>de</strong>ntro, / agora não tenho nada <strong>de</strong>fronte, / não<br />

sinto o ritmo» (574). O vulcão esfria, as imagens humanizam-se, surge<br />

a solidão, a sensação <strong>de</strong> aban<strong>do</strong>no e <strong>de</strong> orfanda<strong>de</strong>, «estou separa<strong>do</strong>,<br />

inexpugnável, incógnito, pouco, / ninguém me toca, / não toco» (574).<br />

O apuramento da ida<strong>de</strong> refina as relações levan<strong>do</strong> ao reconhecimento<br />

imediato da ausência, permite que se supere a violência, permite que<br />

se reconheça a distância <strong>de</strong> forma mais evi<strong>de</strong>nte entre as coisas e os<br />

seres. As arestas vivas das palavras suavizaram-se, a energia fulgurante<br />

que brotava das suas relações intempestivas amainou, «acabou-se-me<br />

a língua bêbeda, / sôfrego, subtil, sibilante, sucessivo, solúvel, / comi-a<br />

8 O provérbio grego sugeriu o título <strong>do</strong> livro (cf. 534); os gregos antigos <strong>de</strong>terminavam<br />

o valor <strong>do</strong>s que morriam pela «qualida<strong>de</strong> da sua paixão» (613).<br />

71

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!