o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
90 diAcríticA<br />
<strong>de</strong> floração absoluta, «uniforme», porque negra (com <strong>do</strong>naire à<br />
Bau<strong>de</strong>laire), como em poço profun<strong>do</strong> ou caverna escura («no túnel <strong>do</strong><br />
universo»), que se misturam as forças que dão forma às metáforas, às<br />
figuras, numa palavra, ao «símbolo», ou seja, aquilo que estrutura<strong>do</strong><br />
por um regime <strong>de</strong> leituras já se reconhece como próprio <strong>do</strong> universo<br />
simbólico <strong>do</strong> poeta, por exemplo, <strong>de</strong> <strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r, poeta obscuro 6 .<br />
Sabe-o bem Fiama Hasse Pais Brandão, como prova a sua configuração<br />
<strong>de</strong> versos no limite da transferência especular entre o claro e o<br />
escuro, o obscuro, portanto, o «símbolo da tempesta<strong>de</strong> ou a realida<strong>de</strong><br />
traduzida», ou mudada, ou sublimada, o entrelugar (in)tenso porque<br />
vacilante, alternativo, à beira <strong>de</strong> ato falho, caso não pareça <strong>de</strong>masiadamente<br />
absurda a idéia <strong>de</strong> que «<strong>do</strong> diálogo sobre as estrelas entre os<br />
tópicos», <strong>de</strong> linguagem, pois, po<strong>de</strong>-se chegar à experiência <strong>do</strong>s trópicos<br />
(nada mais que um tropo afinal), no que neles há <strong>de</strong> luminosa sabe<strong>do</strong>ria<br />
inerente à natureza <strong>do</strong> simbólico em poesia, que por meio <strong>de</strong><br />
formas no nível <strong>do</strong> significante alcança inúmeras representações da<br />
realida<strong>de</strong>: a sua força 7 .<br />
Neste ponto da leitura, eduar<strong>do</strong> Pra<strong>do</strong> Coelho, num ensaio <strong>de</strong><br />
A noite <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, <strong>de</strong> 1988, tem importante notícia <strong>do</strong> dia em que<br />
<strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r <strong>de</strong> uma queda foi ao chão da mão <strong>de</strong> Fiama Hasse<br />
Pais Brandão. A história <strong>do</strong> aci<strong>de</strong>nte que motivou a escrita <strong>de</strong> «Autor<br />
fragmento» está no primeiro parágrafo <strong>de</strong> «Fiama: o poema como<br />
abreviatura total»:<br />
Fiama gosta <strong>de</strong> contar uma história: foi quan<strong>do</strong> passava no<br />
Saldanha e levava consigo aquele gran<strong>de</strong> volume <strong>de</strong> poemas <strong>de</strong> <strong>Herberto</strong><br />
Hel<strong>de</strong>r que (mentirosamente) se chama Poesia toda, e, <strong>de</strong> repente, o<br />
<strong>de</strong>ixou cair no chão. Desse acontecimento ficou um verso num livro<br />
<strong>de</strong> Fiama: «Da metáfora e veracida<strong>de</strong> <strong>do</strong> chão recolho a poesia toda<br />
[sic].» O leitor coloca<strong>do</strong> diante <strong>do</strong> poema ten<strong>de</strong>rá a interpretá-lo como<br />
a dicção <strong>de</strong> um senti<strong>do</strong> múltiplo que está para além <strong>do</strong> que as palavras<br />
dizem. A história <strong>de</strong> Fiama contém uma lição on<strong>de</strong> se con<strong>de</strong>nsa uma<br />
pedagogia da leitura <strong>do</strong>s seus textos: aquelas palavras apenas dizem o<br />
que dizem, são para ser recolhidas ao rés-<strong>do</strong>-chão, literalmente e <strong>de</strong> uma<br />
6 Título <strong>de</strong> livro pioneiro <strong>de</strong> Maria estela Gue<strong>de</strong>s sobre <strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r.<br />
7 eduar<strong>do</strong> Pra<strong>do</strong> Coelho: «eis a palavra: força. Não esta<strong>do</strong>, mas processo. Não<br />
imitação, mas <strong>de</strong>vir. Não ergon, mas energeia. Não representação, mas força. Ao situar-se<br />
num espaço comunicacional, Mukarovsky vai <strong>de</strong>senvolver as categorias necessárias para<br />
incentivar o que, alguns anos <strong>de</strong>pois, Barthes havia <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar a tarefa mais urgente<br />
da semiótica: pensar as intensida<strong>de</strong>s. Po<strong>de</strong>mos dizer que, em Portugal, esse trabalho<br />
tem si<strong>do</strong> feito nos textos «teóricos» <strong>de</strong> <strong>Herberto</strong> Hel<strong>de</strong>r: em especial, Photomaton &<br />
Vox.» (1982: 387).