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o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

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278 diAcríticA<br />

passa<strong>do</strong>s sobre a catástrofe. Ambos mudam-se para o paço. Aí, entregue<br />

ao <strong>de</strong>slumbramento que é mudar-se da serra transmontana para<br />

as mor<strong>do</strong>mias e os luxos da corte, Mécia, que o narra<strong>do</strong>r <strong>de</strong>screvia<br />

como «refractária às gran<strong>de</strong>s aflições» (i<strong>de</strong>m, 235), goza plenamente<br />

a transição. quanto ao fidalgo, aposta<strong>do</strong> que estava em restaurar o<br />

esplen<strong>do</strong>r da sua casa <strong>de</strong> Ansiães com o dinheiro <strong>de</strong> D. José, permanece<br />

inconsolável: «ia abati<strong>do</strong> e melancólico» (ibi<strong>de</strong>m).<br />

1.2. em segun<strong>do</strong> lugar, traz à história o primeiro <strong>de</strong> um conjunto<br />

<strong>de</strong> lances que são peremptórios em <strong>de</strong>nunciar o carácter amedronta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> Mécia. embora a presença <strong>de</strong> um me<strong>do</strong> anormal não esteja necessariamente<br />

<strong>do</strong>cumentada nos exemplos atrás referi<strong>do</strong>s, uma vez que,<br />

como dissemos, esse me<strong>do</strong> até certo ponto se justifica, em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

perigo efectivo que ro<strong>de</strong>ia os viajantes, conforme reconhecem os próprios<br />

liteireiros – um <strong>de</strong>les dirá mesmo: «O lugar é aza<strong>do</strong>!» (i<strong>de</strong>m, 8);<br />

e embora o impacto da morte <strong>do</strong> cavalo, fazen<strong>do</strong> tábua rasa <strong>do</strong> que<br />

até agora se disse sobre o assunto e ten<strong>do</strong> em mente a cruelda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />

liteireiros para com o animal, compreensivelmente suscite compaixão,<br />

torna-se inegável esta faceta peculiar da personagem, quan<strong>do</strong>, a propósito<br />

das proezas tauromáquicas <strong>de</strong> D. José, intervém <strong>de</strong>ste mo<strong>do</strong>:<br />

«– Coitadinho <strong>do</strong> boi! [...] Não me conte essas cruelda<strong>de</strong>s, primo! estou<br />

a suar <strong>de</strong> aflição!» (i<strong>de</strong>m, 30). Repare-se que o repúdio <strong>de</strong> Mécia assenta<br />

como que num <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramento. Temos, primeiro, a franca indignação<br />

verbal («– Coitadinho <strong>do</strong> boi!», «Não me conte essas cruelda<strong>de</strong>s,<br />

primo!»); e, por fim, uma exclamação final que vem dar conta <strong>de</strong> um<br />

esta<strong>do</strong>, por assim dizer, psicossomático («estou a suar <strong>de</strong> aflição!»).<br />

O mesmo no tocante à morte <strong>de</strong> animais menos corpulentos e<br />

mais <strong>do</strong>mésticos, como sejam as galinhas: «eu por mim, quan<strong>do</strong> ouço<br />

gritar uma galinha que estão matan<strong>do</strong>, começo a tremer e fujo para<br />

on<strong>de</strong> não cheguem os gritos da avezinha!» (i<strong>de</strong>m, 31).<br />

Ora a questão <strong>do</strong> me<strong>do</strong> é, tanto quanto a da insensibilida<strong>de</strong> da<br />

personagem perante os outros, uma <strong>do</strong>minante a ter em conta no<br />

<strong>de</strong>senrolar da efabulação novelesca, uma vez que Mécia funciona,<br />

digamos, como um epicentro à volta <strong>do</strong> qual gravitam as restantes<br />

personagens e sobretu<strong>do</strong> o protagonista. No que ao me<strong>do</strong> respeita,<br />

lembremos que Mécia se <strong>de</strong>svincula, se bem que não a título <strong>de</strong>finitivo,<br />

notoriamente <strong>de</strong> Baltazar a partir <strong>do</strong> instante em que se apercebe das<br />

maneiras violentas <strong>do</strong> fidalgo, maneiras que gran<strong>de</strong>mente a assustam,<br />

conforme atesta a conversa com o pai ao pé da cabana <strong>de</strong> Francisco<br />

<strong>de</strong> Jesus (cf. i<strong>de</strong>m, 145).

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