15.04.2013 Views

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

228 diAcríticA<br />

o valor poético <strong>de</strong>stes textos livres e acrobáticos resi<strong>de</strong>, entre vários<br />

outros predica<strong>do</strong>s, em combinações lexicais inova<strong>do</strong>ras, figuras insólitas,<br />

surpresas sintácticas, rimas inesperadas. O efeito calei<strong>do</strong>scópico<br />

<strong>de</strong> muitas passagens líricas, que remete para uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imagens<br />

e significa<strong>do</strong>s, parece por vezes pulverizar a unida<strong>de</strong> semântica<br />

<strong>do</strong> texto, como se este <strong>de</strong>ixasse, muito simplesmente, <strong>de</strong> «fazer senti<strong>do</strong>».<br />

De facto, um certo experimentalismo verbal, alia<strong>do</strong> a um humor não<br />

raro cínico que perpassa as letras, parece reduzi-las a um jogo meramente<br />

formal, <strong>de</strong>spojan<strong>do</strong>-as <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> e coerência 2 .<br />

No entanto, é importante compreen<strong>de</strong>r que este aparente nonsense<br />

em surdina – ou, como o título da canção bem diz, «absurdina» – faz<br />

senti<strong>do</strong>/s (no plural, bem entendi<strong>do</strong>) e se reveste <strong>de</strong> relevância lite-<br />

rária. Por outras palavras, importa olhar as letras <strong>de</strong> Rui Reininho<br />

como um legítimo objecto poético, ainda que o autor recuse explicitamente<br />

o epíteto <strong>de</strong> poeta 3 . O presente artigo preten<strong>de</strong>, assim, analisar<br />

as estratégias fonéticas, lexicais e estilísticas que enformam as letras <strong>de</strong><br />

Rui Reininho, bem como investigar os temas e os registos idiomáticos<br />

que aí recorrem, procuran<strong>do</strong> dar conta da riqueza criativa <strong>do</strong> letrista<br />

ao longo <strong>do</strong>s 25 anos nos GNR e, posteriormente (em 2008), a solo.<br />

1. «Se o pesca<strong>do</strong> morre ao la<strong>do</strong>»: trocadilhos e outras figuras<br />

O trocadilho 4 , mescla fónica e semântica, é talvez a marca mais<br />

evi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> estilo metamórfico <strong>de</strong> Rui Reininho, que brinca com as<br />

palavras trocan<strong>do</strong>-as, recrian<strong>do</strong>-as e fazen<strong>do</strong> <strong>de</strong>scobrir nelas relações<br />

insuspeitadas. Dois tipos <strong>de</strong> trocadilho se <strong>de</strong>stacam. Num primeiro,<br />

2 O próprio autor parece subscrever esta leitura quan<strong>do</strong> se refere às reacções que<br />

as suas letras suscitam: «[Por] vezes as pessoas dizem-me: – ‘Não percebo nada <strong>do</strong> que<br />

tu escreves’ – o que por um la<strong>do</strong> é bom, por não ser <strong>de</strong>masia<strong>do</strong> óbvio» (cf. Lopes, 2009).<br />

3 Nas suas palavras, «não tenho nada a ver com a chamada poesia, portanto não<br />

estou naquele campeonato das poesias, embora entre nesses jogos florais.» e acrescenta:<br />

«escrever letras é mais exposto, porque as pessoas se apropriam e <strong>de</strong>pois passa a ser<br />

cancioneiro, (…) aquela coisa <strong>do</strong>s trova<strong>do</strong>res antigos: um gajo diz umas coisas e <strong>de</strong>pois<br />

pagam-lhe um almoço» (cf. Lopes, 2009).<br />

4 Na tradição retórica, o trocadilho dá pelo nome <strong>de</strong> «paronomásia», significan<strong>do</strong><br />

um tipo <strong>de</strong> jogo <strong>de</strong> linguagem em que uma palavra ou expressão combina <strong>de</strong> forma<br />

inesperada e simultânea <strong>do</strong>is senti<strong>do</strong>s não-relaciona<strong>do</strong>s (cf. e.g. Sherzer 1978: 336).<br />

O termo na língua inglesa é pun, cuja origem, incerta, aponta para uma abreviação <strong>do</strong><br />

termo italiano puntiglio, o qual, nas palavras <strong>de</strong> Bates (1999: 57) significa «a small or<br />

fine point, formerly also a cavil or a quibble». Sobre a relevância semântica <strong>do</strong> trocadilho,<br />

ver To<strong>do</strong>rov (1981).

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!