o conto insolúvel de Herberto Helder - Universidade do Minho
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126 diAcríticA<br />
assume-se como «bicho da terra vil e tão pequeno» (Camões, 2005:<br />
222) apenas porque possui um «corpo terreno» (ibi<strong>de</strong>m), humano,<br />
portanto, e interessa<strong>do</strong> em uma «terrestre [e] humana» (i<strong>de</strong>m, 120)<br />
gama <strong>de</strong> questões.<br />
Através da língua trabalhada pelo tipo <strong>de</strong> «setenta e sete», também<br />
a «aparecida» é levada, enfim, à cama. No poema que refere os «mil drs.<br />
<strong>de</strong> um só reino», há um apontamento <strong>de</strong> passagem <strong>do</strong> tempo: «mais<br />
<strong>de</strong> trinta anos na cabeça e no mun<strong>do</strong>» (i<strong>de</strong>m, 578), pois uma marca<br />
cronológica, «1971» (ibi<strong>de</strong>m), expressa-se no terceiro verso. Já disse<br />
eu <strong>de</strong> assombros, números e equações, e já li o novo <strong>Herberto</strong> com<br />
ferramentas herbertianas. É isso, é o mesmo poeta. Mas é outro no<br />
mesmo, já que alguma surpresa, ou uma diferença na semelhança, se<br />
impõe. Talvez, assombra<strong>do</strong>, eu sequer saiba formular a contento o que<br />
seja essa diferença, mas arrisco interrogações: o <strong>Herberto</strong> <strong>de</strong> 2008 e<br />
2009, sobretu<strong>do</strong> 2009, relaciona-se <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> mais flagrante com certos<br />
índices <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>? Não é bem isso. Há uma maior explicitação<br />
nesses poemas? Ainda não... Uma concretu<strong>de</strong> mais dita? Desisto. Há<br />
algo, sei que o há, mas não sei dizer o quê sem escorregar em previsibilida<strong>de</strong>s.<br />
e arrisco <strong>de</strong> novo: será «tenho tão pouco tempo» sintagma-<br />
-chave para a ocorrência <strong>de</strong>sse novo no velho poeta?<br />
Apostas são apostas, há sempre o perigo <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r dinheiro ou<br />
outro bem qualquer. Disso cônscio, aposto que minha conjetura<br />
encerra algum cabimento. Já disse eu <strong>de</strong> assombros, números e equações,<br />
e o poeta com mais <strong>de</strong> cinquenta anos <strong>de</strong> produção chega, biogra-<br />
ficamente, perto <strong>do</strong> fim. É evi<strong>de</strong>nte que a questão vai além <strong>do</strong> que<br />
estou dizen<strong>do</strong>, pois poetas ficam já que poemas ficam etc. quero dizer<br />
apenas que o poeta não terá, <strong>de</strong>certo, outros cinquenta anos <strong>de</strong> poesia<br />
a sua frente, e, <strong>de</strong>saparecen<strong>do</strong> <strong>Herberto</strong>, <strong>de</strong>saparecerá a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> novos inéditos <strong>de</strong> <strong>Herberto</strong>: «tenho tão pouco tempo»... existe,<br />
no poeta maduro, uma apreciação da beleza que lembra, nalguma<br />
medida, a <strong>do</strong> Aschenbach <strong>de</strong> morte em Veneza. Uma coincidência sabeme<br />
apreciável: «Desejava também com ansieda<strong>de</strong> atingir a velhice, pois<br />
sempre julgara que só faz jus à natureza verda<strong>de</strong>iramente grandiosa,<br />
abrangente e venerável <strong>do</strong> artista aquele a quem é da<strong>do</strong> permanecer<br />
criativo, atravessan<strong>do</strong> (...) todas as etapas da vida humana» (Mann,<br />
1991: 17). Isso se dá com <strong>Herberto</strong>, sem a menor dúvida, <strong>do</strong>s «vinte /<br />
e nove» aos «setenta e sete» aos não sei mais quantos.<br />
e o protagonista <strong>de</strong> Thomas Mann repara, durante uma viagem,<br />
precisamente num «rapazinho <strong>de</strong> cabelos longos, <strong>de</strong> catorze anos,<br />
talvez» (i<strong>de</strong>m, 39). e repara em seu catorzinho <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> grego: «Seu